Opinião

Portugal está a perder a grande vaga da IA

Uma aposta séria e uma governança consciente da IA pode acelerar consideravelmente a economia, trazendo aumento de produtividade em múltiplos setores e ganhos de competitividade

Estamos a viver a maior revolução tecnológica de sempre. A Inteligência Artificial (IA) não é “mais uma tecnologia”. É uma tecnologia de uso geral (general purpose technology) que atravessa todas as atividades económicas e todos os serviços públicos — tal como a eletricidade ou a internet foram no seu tempo.

A grande diferença é a velocidade: o que antes levava décadas, hoje muda em trimestres. E Portugal a perder a vaga.

Desenganem-se aqueles que pensam que a IA é uma promessa ou uma moda. Não é; é uma infraestrutura crítica de produtividade, reindustrialização limpa, descoberta científica, medicina preventiva, ensino personalizado, logística, segurança e governo digital.

É certo que a IA traz também riscos significativos. Mas uma aposta séria e uma governança consciente da IA pode acelerar consideravelmente a economia, trazendo aumento de produtividade em múltiplos setores e ganhos de competitividade, que resultarão no aumento do rendimento nacional. A União Europeia cristalizou esta ambição, mas também precaução no AI Act. Em paralelo, a Comissão lançou o AI Office, o centro europeu de peritagem para aplicar estas regras — sobretudo em modelos de uso geral — e estimular um ecossistema de IA confiável.

Em 2019, Portugal lançou a Estratégia Nacional de IA – “AI Portugal 2030” - um documento digno para a época. Mas ficou parado no tempo. Foi desenhado antes da aceleração gerada pela IA generativa. Em 2024, enquanto presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA), sob orientação do governo da altura, estavam a ser trabalhadas várias estratégias, entre elas a nova estratégia nacional para a IA. Mas como infelizmente tende a acontecer em Portugal, quando mudam os governos muitas medidas de política não param ou prosseguem, sem qualquer razão.

Apanhar e surfar a onda da maior revolução tecnológica de sempre parece tão óbvio que deveria ser uma prioridade para qualquer governo. Basta olhar à nossa volta. Enquanto hesitamos, outros governos estão a avançar a grande velocidade com a criação de estratégias a agências, fundos e investimento em tecnologia.

Eis alguns exemplos do que outros estão a fazer (e nós, não); e que nos devia tirar o sono. O Reino Unido Londres criou o AI Safety Institute, o primeiro organismo público dedicado a testar e avaliar riscos de “IA avançada” — uma infraestrutura científica e regulatória que o governo assumiu como bem público global.

A França entrou na 3.ª fase da estratégia nacional de IA (2025), com mais de €2,5 mil milhões do plano France 2030 para reforçar investigação, talento, capacidades de computação, e até lançou um Comité para IA Generativa para aconselhar decisões rápidas. O Eliseu publicou este ano o position paper Make France an AI Powerhouse”, onde elenca investimentos públicos/privados e a ambição de atrair infraestruturas de IA de classe mundial, alavancadas por energia descarbonizada.

A Alemanha: Berlim atualizou a estratégia com um Plano de Ação de IA que prioriza capacidades de computação, dados, skills e uma malha de centros de excelência, num registo assumidamente ágil para acompanhar a dinâmica da IA generativa.

Espanha instalou a AESIA — Agência Espanhola de Supervisão de IA, a primeira autoridade dedicada na UE, sediada na Corunha, para supervisionar sistemas de alto risco e coordenar a aplicação do AI Act.

Uma análise de benchmark mais aprofundada (que não cabe neste artigo) permite concluir o seguinte - países que querem liderar estão a fazer três coisas em simultâneo: (1) regras claras e instituições novas; (2) computação e dados em escala nacional; (3) talento e aplicações com efeito de arrastamento.

Enquanto a maioria dos países estão numa corrida pela IA, Portugal parece adormecido, tem uma Estratégia desatualizada (de 2019 — o que, em tempo de IA generativa, é pré-história recente) e instituições difusas (não criou ainda uma autoridade especializada ou atribuiu essa incumbência a uma entidade existente).

Acredito que a aposta séria e rigorosa na IA poderia ser solução para o atraso estrutural na produtividade e no rendimento no nosso país. Apesar da recuperação pós-pandemia, Portugal continua abaixo da média da UE em produtividade e PIB per capita: em 2024, o nosso PIB per capita em PPS foi 82% da média da UE, o 10.º mais baixo da União e 6.º mais baixo da Zona Euro. Trabalhamos muitas horas e produzimos pouco por hora. Em 2024, a semana média de trabalho em Portugal foi 37,5 horas, acima da média da UE — um indicador que reforça a urgência de aumentar a produtividade por hora com tecnologia e organização.

Está diante dos nossos olhos: o gap de produtividade — e, logo, de rendimento — não se resolve com mais horas de trabalho; mas sim com melhor capital tecnológico, dados, competências e processos. A IA é o multiplicador que faltava. E estamos a perdê-la.