O Governo repetiu e tornou a repetir o anúncio das medidas previstas para habitação.
De cada vez que o faz, acrescenta um ponto, mas também um conjunto de incertezas e dúvidas: avança com valores, fala de muita coisa, mistura tudo, mas não entrega nada de novo.
Parece, até, ter assumido a máxima do último presidente da República do Estado Novo, adaptado aos anúncios.
Consta que Américo Thomaz terá dito, numa certa cerimónia de inauguração a que recorrentemente ia: “É a primeira vez que cá estou depois da última vez que cá estive.”.
Pois o Governo também “é a primeira vez que anuncia depois da última vez que anunciou”: a linha BEI foi comunicada, pelo menos 4 vezes: na apresentação do “Construir Portugal”, na apresentação do Orçamento do Estado 2025, na Universidade de Verão do PSD e agora na cerimónia de assinatura. E mesmo assim ainda não sabemos como, quando e quem pode concorrer e quais as condições da linha de financiamento.
Quatro, quatro anúncios sobre a mesma coisa e muito poucas explicações.
Na cerimónia de assinatura do contrato de financiamento com o BEI, linha de 1340M€, a assinatura foi para 450M€.
Não foi possível perguntar quem são os beneficiários dessa linha, dado que a “conferência de imprensa”, como é já hábito neste executivo, não teve direito a perguntas.
O Governo referiu os municípios, mas são apenas estes que podem concorrer? E em que condições? Foram também referidas “taxas de juro mais baixas e períodos de carência mais generosos”. Mas isto significa exatamente o quê? Qual o prazo de maturidade do empréstimo? Qual é a taxa de juro? Como se podem candidatar? Qual é a percentagem elegível por operação? É 100% ou menos?
E o Estado, através do IHRU, Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, I.P., ou da Construção Pública, EPE, também é elegível, para cobrir o diferencial retirado do PRR (3500 habitações) e continuar com a promoção pública, assumida pelo Estado, ou não? É que nada foi referido a este propósito…
Se assim não for, o Estado estará “apenas” a criar uma linha de empréstimo, para os municípios assumirem, que, embora possa não contar para os limites do endividamento municipal, a sua amortização terá de ser assumida na íntegra por estes.
Naturalmente, só quem tenha capacidade financeira é que poderá aceder, deixando de fora municípios com necessidades habitacionais, mas sem essa capacidade.
Dúvidas que ficaram de novo por esclarecer.
Mas soubemos também, mais uma vez, que o Governo se prepara para vender imóveis com aptidão habitacional, onde funcionavam os ministérios (imóveis com excelente localização), em hasta pública – e, portanto, ao melhor preço. E aparentemente, fazendo fé no anúncio, para qualquer uso que seja admitido, e não necessariamente para habitação. E muito menos, para a classe média. Terá sido esquecido o anúncio de criar casas de função para profissionais de saúde, educação e forças de segurança?
A promessa agora é a de que o valor dessas vendas servirá para financiar políticas de habitação. Quais, como, quando, também não se sabe, até porque a mesma notícia refere que não haverá consignação de receitas, o que coloca esta proposta no plano das intenções. Curiosamente, ou talvez não, também é referido o propósito desta venda estar relacionada com a necessidade de “tapar o buraco da execução orçamental”. No final do ano veremos.
Para já, o que sabemos é que o Estado vai alienar imóveis que podiam ser utilizados para serem parte da solução (resposta habitacional direcionada à classe média) mas que, no final, como aparenta, serão parte do problema.
Também as parcerias público privadas foram mais uma vez anunciadas, agora com a identificação de 14 imóveis, entre os quais o antigo hospital Miguel Bombarda, em Lisboa. Mas também ainda não foi desta vez que se souberam as condições dessa parceria, qual o risco assumido pelos privados, quais os custos, por habitação, que terá para o Estado, quem pode aceder a essas casas e a que preço - o anúncio refere “rendas moderadas”, ficando por se saber o que se entende por moderadas.
Veremos se no próximo anúncio serão dados mais pormenores.
Do financiamento para as cooperativas é que continuamos sem nada conhecer, se esta linha do BEI também lhes é aplicável ou não, se regulamentam a linha de financiamento já prevista na lei e se o Estado vai disponibilizar terrenos para as cooperativas, ou não, e onde e quando.
Por fim, voltou a anunciar-se a garantia de Estado, através do Banco de Fomento para as mais de 130 mil habitações identificadas nas estratégias locais de habitação que continuam sem resposta. Aqui também falta explicar os pormenores que façam do anúncio uma medida: é um financiamento do Estado para os municípios executarem as suas operações, ou é apenas uma garantia para o cumprimento de um empréstimo que os municípios terão de contrair, se as quiserem executar? E se for esta última hipótese, essa garantia é para a componente de empréstimo, prevista no Programa “1º Direito”, ou para a totalidade da operação? É que se for para a componente de empréstimo, falta ainda anunciar a verba de Orçamento do Estado, relativa à parte de comparticipação a fundo perdido (subvenção não reembolsável) que compete ao Estado assegurar, de acordo com o “1º Direito” (dependendo da modalidade, entre 30% a 50%), uma vez que os valores de OE já anunciados, referem-se exclusivamente ao financiamento das candidaturas submetidas ao PRR, até 1 de abril de 2024 (foram submetidas candidaturas para cerca de 59 000 habitações, para um limite do financiamento do PRR de 26 000 habitações). Estará para breve este esclarecimento?
Revisitando o anúncio inaugural, o “Construir Portugal”, constatamos que a maioria destas medidas estava prevista para ser implementada entre os 10 dias, como por exemplo o regime legal semiautomático de aproveitamento de imóveis públicos devolutos ou subutilizados, e os 90 dias, como seja o caso da disponibilização de imóveis públicos para habitação com renda/ preço acessível. Mas até ver, para estas medidas, temos apenas de novo mais anúncios.
Olhando para o calendário, importa também não esquecer que estamos em período de campanha eleitoral para as autarquias locais. Por todo o país, os partidos e movimentos independentes, preparam e apresentam às populações, os seus compromissos e programas eleitorais. A habitação está, obviamente, entre as prioridades de quase todos eles.
Mas a verdade é que o estão a fazer, sem saberem, verdadeiramente, com o que contam do Estado.
Estão a confiar, ou na sua capacidade de autofinanciamento ou na boa vontade dos anúncios.
Não tenho dúvidas que os municípios estarão, uma vez mais, a dizer presente, tal como o fizeram, e fazem, no âmbito do PRR. Mas talvez tivesse sido preferível que o Governo estivesse mais preocupado em criar, sem ambiguidades, as medidas que pretende que os municípios executem e como, pois, para quem tanto diz acreditar e confiar nos autarcas, convenhamos, exigia-se outra clareza.