André Ventura alimenta-se da atenção, da irritação, da abominação e do ódio de todos os verdadeiros democratas que, não tendo mais nada a fazer, não tendo ideias para os problemas dos portugueses, não tendo mais tempo para acreditarem na nossa sociedade, não tendo vida real para além de um computador à sua frente, multiplicam a ira, reproduzem as alarvidades do que o tal personagem afirma, põem o algoritmo ao serviço da insanidade.
Nos tempos de hoje, fruto de uma insatisfação dos cidadãos comuns com os partidos moderados que não conseguem entregar-lhes soluções fáceis para problemas complicados, os movimentos populistas e não democráticos conseguiram aprovações eleitorais muito significativas. Temos na Europa de Leste um sem número de países e regiões que são governados por grupos antidemocráticos, pouco atreitos à separação de poderes e profundamente ultramontanos nos costumes.
Há, porém, um fenómeno que os partidos democráticos não elegem como central, mas é determinante para o crescimento destes movimentos – a progressiva falta de transparência no exercício do poder e a corrupção.
Nos últimas décadas, os fenómenos de corrupção atravessaram as elites económicas, chegaram aos decisores políticos, alastraram na base da sociedade. Nenhuma lei aprovada conseguiu reverter a sensação, que o cidadão anónimo tem, de que os políticos são todos corruptos. Ora, não sendo correto dizer que Portugal é um país de corruptos, a verdade é que os partidos políticos do sistema albergam práticas de amiguismo, de negócios pouco claros e de ausência de sindicância da gestão pública.
Ventura tem no seu partido centenas de indivíduos que são o pior da sociedade. Mussolini, quando iniciou a sua marcha, também se socorreu de soldados mercenários que tinham sido abandonados depois da primeira guerra, gente que matava, assaltava, mutilava. A pior corja da sociedade italiana.
Depois desse início de caminhada, o fascismo conquistou intelectuais, elites financeiras, nobreza, patentes altas das forças armadas. Passaram poucos anos.
Em Portugal, o Chega já tem uma parte das Forças Armadas, das Forças de Segurança, dos bombeiros, das Igrejas. E tem porque toda esta gente, habituada à ordem e a comportamentos balizados, viu o país entrar num desarranjo grande, viu aumentar a insegurança percecionada, viu anular algumas das bases da sociedade de séculos.
Por outro lado, o nosso país ainda vive os efeitos do elitismo liberal e republicano e da longa noite salazarista. Um povo que demonstra não conseguir ler textos complexos, também não consegue entender a linguagem difícil que os políticos dos partidos do sistema usam nos nossos dias.
Olhando para o PSD e para o PS, não conseguimos vislumbrar autenticidade, preocupação com o mais humilde, conhecimento da vida real. Mais de metade do atual governo conhece mais capitais europeias do que capitais de distrito.
Tudo isto é um caldo que faz Ventura crescer, para além das suas inegáveis capacidades política, teatral, retórica, somadas a uma grande dose de “lata” e de mentira.
Tenho amigos que sempre votaram no PS até 2024. Votaram nas duas últimas eleições no Chega. Eu gostaria de os trazer de novo para o PS, mas este partido não os quer receber. Não há uma só atenção aos eleitorados reais amplos, gastando-se tempo com eleitorados residuais ou marginais e com discursos sem emoção e conteúdo.
Ventura votou contra a ida de Marcelo a uma festa na Alemanha. Ele percebeu que aquela viagem tinha potencial para pôr as redes socais em polvorosa e conseguiu.
Centenas de pessoas, que eu estimo, republicaram os posts de Ventura e ele chamou-lhes um figo. Quase todas essas pessoas já terão lido Maquiavel, mas todas se esqueceram que, perante coisa imprópria do inimigo, só devemos dar-lhe distância e desprezo.
Quem são os amplificadores da mensagem de Ventura? São os seus apoiantes e os seus bots, são os militantes da extrema-esquerda que não vivem sem reflexo, são a classe média alta que tem vida, dinheiro e tempo para ter uma comoção por dia, são os jovens de uma parte da esquerda democrática que, nascidos de pais com posses e com vidas fáceis, acham que a revolução é uma coisa que nos leva à salvação. A todos Ventura agradece.
E mais, Ventura e os jornais têm um acordo tácito. Com as mensagens que ele vai construindo, sabendo que os democratas ingénuos caem na esparrela, garante volumes significativos de dados e monetiza em valores muito significativos. Ou seja, se você clica no post de um qualquer dirigente do Chega está a financiar o Chega direta ou indiretamente. Só falta pedir recibo…
O problema não está em Ventura, o problema está nos partidos velhos do sistema que são um bocejo, que não sabem o que querem para o país, que não se sentam junto de uma velhinha para lhe perguntar quais são os seus problemas ser terem uma câmara de televisão por perto, que não vão ao encontro da sociedade para a questionar em vez de lhes meter na cabeça uma receita preconcebida.
Os líderes da extrema-direita não podem ser os únicos a saber falar com o povo, a saber interpretar o senso comum, a saber lidar com as massas. Os líderes dos partidos moderados têm de ganhar corpo e têm de ser imaginativos, dignos e íntegros. E não estão a conseguir como a última sondagem demonstra.
É por isso que eu rezo todos os dias para que Montenegro não venha a ser acusado pelo Ministério Público. Se viesse a acontecer, Ventura teria uma passadeira vermelha e ganharia as eleições.