O processo de decisão política do Partido Socialista após a queda do governo de António Costa está a seguir a estratégia de Emmanuel Macron após a queda, em circunstâncias semelhantes, do Parti Socialiste (Partido Socialista francês). Os dirigentes socialistas portugueses estão a desenvolver uma versão sua de macronismo, sem sucesso e com resultados nefastos para a política nacional.
Em 2017, Emmanuel Macron, antigo ministro de François Hollande, é candidato presidencial e funda um novo partido, o La République en Marche (LREM), que se apresenta às legislativas do mesmo ano. O desastre eleitoral socialista era previsível, tendo em conta a alta impopularidade de Hollande e a temida ascensão de Marine Le Pen e da sua então Frente Nacional.
Os macronistas adotaram um discurso político centrista e tecnocrático, aproveitando também a novidade do seu movimento político, dissociado dos casos que afetaram os governos de Nicolas Sarkozy e Hollande. Defendiam ser a única alternativa à iminente subida ao poder da direita populista. Essencialmente, aproveitaram o enfraquecimento dos partidos históricos do poder com uma estratégia de monopólio dos eleitores do espaço democrático. Macron venceu claramente as presidenciais de 2017 e o seu novo partido obteve uma maioria absoluta na Assembleia Nacional.
Sete anos mais tarde, Pedro Nuno Santos, antigo ministro de António Costa, surgiria em circunstâncias semelhantes – basta traduzir Parti Socialiste e trocar Le Pen por Ventura e Frente Nacional por Chega.
Pedro Nuno Santos adotou a estratégia de Emmanuel Macron apenas parcialmente. Por um lado, nas campanhas eleitorais de 2024 e 2025 quis convencer os eleitores de que o PSD pactuaria eventualmente com o Chega e de que o voto no PS era o único voto democrático. Por outro, não se assumiu como alternativa a um PS com o qual os portugueses estavam insatisfeitos e que estava inevitavelmente marcado por António Costa, que aos olhos de uma parte importante do eleitorado ou era um criminoso ou se tinha demitido para passar a Presidente do Conselho Europeu. Pelo contrário, gastou considerável capital político a defender os governos a que pertenceu.
Tal como Emmanuel Macron, José Luís Carneiro procurou ocupar um centro político que se estendesse também à direita. É de lembrar a escolha de Macron para liderar a sua candidatura legislativa em 2017: Édouard Philippe, antigo militante d’Os Republicanos, que veio mesmo a fundar uma espécie de partido satélite do LREM à direita, o Horizons. Para além disto, o anterior governo sob a tutela de Macron foi mesmo liderado por um republicano, Michel Barnier.
Carneiro continua “a ignorar a crise do PS”
Carneiro anunciou publicamente a sua vontade de colaborar com o governo do PSD, que foi afetado pelo caso Spinumviva e é apoiado por menos deputados do que o condenado segundo governo de Pedro Passos Coelho em 2015. Os socialistas parecem estar cegos face aos sinais eleitorais dados pelos portugueses. Contraditoriamente, há alguma continuidade face a Pedro Nuno Santos no mandato de Carneiro, que continua a colar o PSD ao Chega sempre que pode, para além de continuar a ignorar a crise do PS, mesmo com menos deputados do que o Chega.
Emmanuel Macron não teve adversários para além de Marine Le Pen e da Frente Nacional. Os Republicanos foram profundamente afetados eleitoralmente pelos casos que envolveram Nicolas Sarkozy, que chegou a ser detido em 2014, e pelo caso François Fillon, que envolveu o seu candidato nas presidenciais de 2017.
Pelo contrário, em Portugal, os socialistas nunca deixaram de ter a concorrência do PSD. Mais do que isso, os problemas que afetaram António Costa tiveram muito mais impacto dos que afetaram Luís Montenegro. A estratégia de Pedro Nuno Santos, de colar o PSD ao Chega, teve pouco sucesso, tal como está a ter a atual estratégia de Carneiro de maior abertura a conversas com a direita, que, tendo em conta os equilíbrios do poder, significaria uma submissão socialista, ao contrário do que se passou no Palácio Bourbon, em que foram os aliados de Macron quem submeteu Os Republicanos.
Os aliados de Macron defendem que apenas eles podem salvar a democracia francesa, o que para além de sufocar o debate político e ideológico entre democratas, alienando outras sensibilidades, deu um novo destaque à direita populista. A política de Emmanuel Macron só foi inovadora no que toca à imagem. A sua impopularidade cresce incessantemente e o seu movimento partidário sofreu uma marcante derrota eleitoral no ano passado.
As legislativas francesas de 2024 foram fundamentais por marcarem o início do fim do macronismo. A assumidamente esquerdista Nova Frente Popular (NFP) venceu, sem obsessões com a direita populista, nem centrismos opacos. Apesar de não ter conseguido formar governo, a esquerda venceu as primeiras legislativas desde 2012. Este sucesso eleitoral significou, naturalmente, um aumento notável do número de deputados socialistas.
Enquanto isso, os dirigentes nacionais do PS e Pedro Nuno Santos repetiram a estratégia eleitoral de 2024 em 2025, a de tentativa de estabelecimento de um monopólio centrista e conformado dos democratas, ao estilo de Emmanuel Macron. Esta decisão foi baseada na estratégia dos vencidos e não na dos vencedores – os seus camaradas franceses que apenas um ano antes se aliaram à esquerda na NFP, com enorme sucesso.