Portugal vive há demasiado tempo num equívoco perigoso: o de acreditar que a corrupção e a fraude se combatem com regulamentos e códigos de ética. A realidade é mais dura: enquanto o Estado continuar a funcionar como uma máquina lenta, opaca e ineficiente, a corrupção florescerá, disfarçada de “cunha”, “desenrascanço” ou “favores”.
Muitas práticas de corrupção nascem não apenas da ganância, mas também da necessidade de simplesmente conseguir que “as coisas aconteçam”. A burocracia emperrada, os serviços públicos que não respondem, os processos que se arrastam, criam terreno fértil para pequenos e grandes poderes se transformarem em oportunidades de negócio. Quem não aceitar jogar este jogo, muitas vezes fica encalhado em processos sem saída.
Não é coincidência que os países mais eficientes sejam também os menos corruptos. O Índice de Perceção da Corrupção da Transparency International coloca há anos os países nórdicos no topo da integridade pública. São também os que têm administrações públicas mais simples e previsíveis. Já em países onde a máquina do Estado é lenta e opaca, a corrupção encontra terreno fértil.
Um estudo da Universidade de Cambridge (Kutlu & Mao, 2023) analisou mais de cem países ao longo de quase duas décadas e concluiu que há uma correlação clara: quanto maior o controlo da corrupção, maior a eficiência do setor público. Ou seja, combater a corrupção não é apenas uma questão moral ou judicial — é também uma questão de gestão.
A cultura do atalho
O problema agrava-se com uma cultura do atalho que atravessa classes sociais. Nas classes médias e baixas, a “cunha” e o “desenrascanço” são aceites como práticas normais. Nas classes altas, o mesmo jogo assume o nome de “influências”, “compadrios” e “favores”. O resultado é o mesmo: quem não participa fica para trás.
O Eurobarómetro da Comissão Europeia mostra regularmente que os portugueses acreditam mais do que a média europeia que o sucesso depende de “quem se conhece” e não de mérito. Este sentimento mina a confiança nas instituições e alimenta o descrédito democrático.
O papel do Estado
O Estado é o principal ator deste drama e o único com poder para mudar as regras. Para isso, precisa de coragem: reformar a administração pública, impor eficiência, criar mecanismos reais de deteção e punição. Serviços simples, rápidos e eficazes reduzem as oportunidades de corrupção.
É igualmente necessário assegurar consequências exemplares para quem insiste em alimentar este sistema: despedimentos, condenações e divulgação pública dos casos. Só assim se cria verdadeiro efeito dissuasor.
Mas não basta punir: é preciso também premiar. Há milhares de funcionários públicos que todos os dias lutam contra a inércia e prestam serviços de qualidade. Distingui-los e dar visibilidade às boas práticas criaria um efeito positivo e mostraria aos cidadãos que existe outro caminho.
Os custos invisíveis
A corrupção não é apenas um problema ético ou político. É também económico. O Banco Mundial estima que a corrupção pode custar até 5% do PIB global por ano. Em Portugal, traduz-se em perda de investimento estrangeiro, menor competitividade e degradação dos serviços públicos.
Cada vez que uma empresa precisa de pagar “um extra” para obter uma licença, esse custo reflete-se no preço final. Cada vez que um hospital desvia recursos por más práticas, os doentes pagam com filas mais longas. Cada vez que uma autarquia favorece um empreiteiro, a qualidade da obra diminui. Os custos são invisíveis, mas todos os portugueses os suportam.
Entre a palavra e o ato
O problema é que em Portugal se fala muito e se faz pouco. Multiplicam-se códigos, regulamentos e discursos, mas faltam atos. Continuamos presos a uma administração pública pesada, assente em modelos ultrapassados, com demasiada gente “encostada” e mais preocupada com o lugar do que com o serviço público.
A deterioração dos serviços é visível a olho nu: filas intermináveis, tribunais congestionados, escolas e hospitais sob pressão. Este vazio abre espaço a populismos, ao descrédito da democracia e, inevitavelmente, a mais corrupção.
A escolha que temos pela frente
O combate à fraude e à corrupção não é apenas uma questão de polícia, tribunais ou moralidade: é, antes de mais, uma questão de eficiência do Estado. Sem coragem política para reformar e modernizar, continuaremos no faz-de-conta.
E cada vez mais cidadãos abandonarão a esperança de uma cidadania plena para se refugiar no atalho da cunha ou do favor.
A escolha é clara: ou continuamos a cultivar a ineficiência que alimenta a corrupção, ou assumimos finalmente que só com coragem, eficácia e responsabilização podemos quebrar este ciclo vicioso.