A Comissão Europeia apresentou, esta quarta-feira, uma proposta ao Conselho no sentido de “suspender as concessões comerciais com Israel” que constam do Acordo de Associação celebrado entre a União Europeia (UE) e o Estado judeu., que entrou em vigor no ano 2000.
Na prática, a decisão afeta as importações de produtos israelitas que perderão o seu acesso preferencial ao mercado europeu, já que ficarão sujeitos à mesma tabela de tarifas aplicada a qualquer país terceiro com o qual a UE não tenha um acordo de comércio livre.
A UE é o maior parceiro comercial de Israel, representando, em 2024, 32% do comércio total de Israel com o mundo. Já o Estado judeu é o 31.º maior parceiro comercial da UE. Cerca de 37% das mercadorias comercializadas entre Telavive e Bruxelas estão isentas de direitos aduaneiros, no âmbito do Acordo de Associação, passando agora a ser taxadas.
“O objetivo não é punir Israel”, afirmou Kaja Kallas, responsável pela política externa da UE, em conferência de imprensa. “Estamos a tentar pressionar o governo israelita a mudar de rumo.”
UE insiste em dois Estados
Na mesma linha, a presidente da Comissão Europeia justificou o endurecimento da posição europeia defendendo que “os terríveis acontecimentos que ocorrem diariamente em Gaza devem cessar” e que “é necessário um cessar-fogo imediato, o acesso irrestrito a toda a ajuda humanitária e a libertação de todos os reféns detidos pelo Hamas”. Ursula von der Leyen recordou que “a UE continua a ser o maior doador de ajuda humanitária e uma defensora inabalável da solução de dois Estados”.
A proposta da Comissão terá agora de ser aprovada pelo Conselho por unanimidade.
Da proposta da Comissão fazem parte também sanções contra dez membros do grupo palestiniano Hamas, que desencadeou o ataque terrorista contra Israel de 7 de Outubro de 2023, bem como a personalidades israelitas, designadamente “ministros extremistas e colonos violentos” a viver no território palestiniano da Cisjordânia ocupada.
Dois governantes em específico são o rosto do extremismo judeu e do incitamento à violência contra populações árabes: o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich.
Cooperação institucional em causa
Além da suspensão das concessões comerciais e da aplicação de sanções a israelitas, a Comissão propõe sancionar e suspender o apoio bilateral a Israel, “sem afetar o nosso trabalho com a sociedade civil israelita ou com o Yad Vashem”, o Centro Mundial de Memória do Holocausto, situado em Jerusalém.
Ficam afetadas as dotações anuais referentes ao período entre 2025 e 2027, bem como os projetos de cooperação institucional em curso com Israel e os projetos financiados ao abrigo do Mecanismo de Cooperação Regional UE-Israel.
A proposta da Comissão decorre da abertura, a 20 de maio, de um processo de análise ao cumprimento por parte de Israel das obrigações decorrentes do Acordo de Associação UE-Israel, solicitado por 17 dos 27 Estados-membros (entre os quais Portugal). Então, já vigorava um bloqueio humanitário à Faixa de Gaza.
Em causa estava a execução do artigo 2.º do Acordo, colocada em cheque pela atuação de Israel nos dois territórios palestinianos. Segundo o artigo, “as relações entre as Partes, bem como todas as disposições do próprio Acordo, assentarão no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos, que norteiam a sua política interna e internacional e constituem um elemento essencial do presente Acordo”.
Ursula, de amiga a crítica
Há exatamente uma semana, quando proferiu o discurso sobre o “estado da União”, a presidente da Comissão revelou que a Comissão iria propor “uma suspensão parcial” do acordo comercial, no que se afigurava como um inédito endurecimento da posição europeia relativamente a Israel: “O que está a acontecer em Gaza abalou a consciência do mundo. Pessoas mortas enquanto imploravam por comida. Mães a segurar bebés sem vida. Estas imagens são simplesmente catastróficas. Por isso, quero começar com uma mensagem muito clara: A fome provocada pelo homem nunca poderá ser uma arma de guerra. Pelo bem das crianças, pelo bem da humanidade – isto tem de acabar”.
A mesma Ursula von der Leyen, a 13 de outubro de 2023, ou seja. menos de uma semana após o bárbaro ataque terrorista do Hamas contra Israel, viajou até Israel, na companhia da presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, para expressar solidariedade: “Somos amigos de Israel. E quando um amigo está sob ataque, temos de nos manter unidos. Estamos ao vosso lado”.
Quase dois anos depois, Ursula verbaliza finalmente algum incómodo relativamente à situação na Faixa de Gaza, que uma comissão independente das Nações Unidas acaba de rotular de “genocídio”, e também na Cisjordânia ocupada, que inúmeras organizações defensoras dos direitos humanos internacionais e israelitas concluíram tratar-se de “apartheid”.
Disse Ursula von der Leyen, sobre a proposta da Comissão: “Isto também faz parte de uma mudança mais sistemática nos últimos meses, que é simplesmente inaceitável. Vimos a asfixia financeira da Autoridade Palestiniana. Os planos para um projeto de colonato na chamada área E1, que essencialmente isolaria a Cisjordânia ocupada de Jerusalém Oriental. As ações e declarações dos ministros mais extremistas do governo israelita, que incitam à violência. Tudo isto aponta para uma clara tentativa de minar a solução de dois Estados. De minar a visão de um Estado palestiniano viável, e não podemos deixar que isso aconteça”.