Encontros de Cascais

A política de imigração que não existe. E a intranquilidade que tem que ser tratada

Os VI Encontros de Cascais reuniram na Cidadela de Cascais, entre sexta-feira e sábado, algumas dezenas de líderes de empresas e fundações, gestores, professores universitários, políticos, antigos ministros, autarcas e diplomatas. O objetivo era discutir os grandes temas da atualidade. “Política de Imigração" foi o tema do quarto painel, que teve como oradores convidados António Barreto e Carlos Moedas. Sexta-feira será publicado aqui o resumo global das discussões

A imigração é atualmente, e não apenas em Portugal, dos temas políticos mais complexos, delicados e difíceis de abordar e do que mais queimam politicamente. Política de Imigração era o mote para o quarto e último painel dos VI Encontros de Cascais, que decorreram entre sexta-feira e sábado.

Mas mesmo antes do debate, e logo no primeiro painel de debate da manhã, sobre as eleições norte-americanas, alguém lembrava como os populistas se apoderaram do tema da imigração, esquecido pelas forças tradicionais. E como isso se tornou um problema acrescido.

Se o tema do painel era a Política de Imigração, os dois oradores convidados para falar sobre o assunto foram claros e concordaram logo à partida: Portugal, em boa verdade, não tem algo que se possa chamar uma política de imigração. E devia ter. E tem que ter.

António Barreto e Carlos Moedas debateram a imigração
Matilde Fieschi

“As migrações são um problema atual e muito complexo e muito difícil de resolver”. Vários continentes estão marcados por estes problemas, começou por se ouvir na sala.

Primeiro postulado: uma política de imigração é benéfica e utilíssima em todos os sentidos e quem não a tem está a errar.

E Portugal não a tem, ouviu-se. “Tem coisas, aqui e acolá”. Outro orador sublinhou que de facto não havendo uma politica de imigração definida e nível nacional acabam por ser por exemplo os autarcas locais a terem que enfrentar e lidar diretamente com o problema.

Segundo postulado: a legalização é o ponto-chave e o mais importante para defender e proteger as pessoas que vêm e para evitar o florescimento de redes de tráfico.

Mas sobre a imigração, se se fala muito a verdade é que parece que faltam dados e números concretos. “Sabe-se muito pouco. São 1 ou 1,6 milhões de imigrantes? E os ilegais, 200 mil ou 400 mil?”

João Vieira Pereira, diretor do Expresso
Matilde Fieschi

Este mesmo orador acrescentou que na sua opinião, os países devem ter o direito de poder escolher quem querem receber. Parece chocante? Não, repare-se que já fazemos isso por exemplo com a política preferencial para imigrantes dos PALOP. Este orador mostrou-se contrário à separação das comunidades por origem, defendendo ao invés uma política verdadeira de integração.

Passamos para o segundo orador. O mote é o mesmo, começando por exemplos vários da necessidade de imigração. Por exemplo, Lisboa está a perder população, centenas de milhares desde os anos 80. Além do envelhecimento da população. São precisos imigrantes na capital, é claro.

Mais números para cima da mesa, relevantes: 30 por cento da população de Lisboa é hoje imigrante, uma multiplicação por quatro em poucos anos. Não estávamos habituados a culturas e religiões diferentes. Esta rapidez na mudança cria uma dificuldade no acompanhamento, naturalmente. Daí a necessidade das tais políticas de imigração de que se falava.

Ricardo Costa apresentou as conclusões do encontro
Matilde Fieschi

Ainda outro número, que ajuda a ilustrar a questão: Em Lisboa, são dadas 30 casas por semana e um terço são a estrangeiros.

A seguir, na discussão, questionou-se porque é que não há politicas de contingentes de imigração, tal como existem, por exemplo, no Canadá ou Austrália, foi referido.

Depois dos oradores iniciais, seguiu-se o habitual e muito participado período de debate e de perguntas e de comentários. Referiu-se como existem atualmente sectores de atividade económica em Portugal que estão completamente assentes em mão de obra imigrante. Referiu-se o problema da capacidade de abordar o tema pelos partidos do sistema, face ao discurso mais populista sobre o tema. E apontou-se a questão delicada da dificuldade das nossas pequenas e medias empresas conseguirem ter capacidade de fazer contratos de trabalho como garantia de atrair as pessoas.

Há imigração e há imigração. E aqui foi sublinhado um ponto particularmente relevante: “a estratégia de atração de imigrantes não é so para os einsteins. Precisamos também de mão de obra menos qualificada”, ouviu-se.

A integração ou é sucedida ou não a nível local. É complexo mas é aqui, ao nível autárquico, que boa parte da integração pode e deve ser feita. Exemplos: Ao nível da habitação, ao nível das escolas e ao nível do local de trabalho.

Outro problema detetado e abordado: Sessenta por cento dos imigrantes irregulares entraram regularmente. Não temos no entanto uma autoridade de trabalho com capacidade decisiva de fiscalizar esta massa.

Finalmente: “a imigração gera sensação de alguma intranquilidade nas sociedades de acolhimento. É natural. Como se resolve, qual o melhor modelo? falharam todos. O problema é muito sério. não é fácil construir a diversidade”.

Nas intervenções finais, lançaram-se novos dados e factos que podem dar que pensar: “Nós hoje não temos motoristas. Na Carris muitos foram captados no Brasil. Como não há calceteiros portugueses. Agora, os calceteiros vieram de Timor.”

Sobre a dificuldade política e dos políticos com o tema: “O que hoje está a falhar nos moderados é um certo radicalismo na linguagem”. Isto porque a resposta dos moderados continua a ser redonda. E têm medo de falar. No entanto, ouviu-se, torna-se premente que a resposta política seja dada sem medo das colagens que possam vir a ser feitas.

Ainda mais um número, lançado como exemplo do que pode ser uma integração positiva, inclusiva e suave: uma escola no Parque das Nações em Lisboa com 50 por cento dos alunos imigrantes.

O que se faz com a legalização? Como se faz? Parece mais difícil legalizar quem já cá está há meses ou anos. A tentativa de regular não é a mesma coisa que a tentativa de controlar. “Dificuldade de falar disto? É dificílimo. São temas muito delicados, por causa do racismo, da xenofobia, do populismo, do preconceito… é muito fácil recorrer ao preconceito”, ouviu-se.

Voltando à necessidade de uma verdadeira política de imigração. O risco, sem ela é que “se as coisas não começarem a ser diferentes do que são, Portugal pode tornar-se um pesadelo de relações raciais.”

Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, no jantar de encerramento dos Encontros
Matilde Fieschi

E como integrar os imigrantes? “A língua é um dos sinais mais importantes que se podem dar. Há muitas situações em que a língua ou o uso da língua pode ser um sinal dado e que ajude à integração”, afirmou-se. Mais: “Portugal não tem experiência de viver isto. Foi muito tempo uma sociedade fechada. Foi muito tempo uma sociedade de emigração. Vivemos o que nunca vivemos, uma sociedade simultaneamente de imigrantes e de emigrantes.”

Mais um ponto sobre a imigração e a sua integração, que foi falado depois de se ter ouvido da assistência uma observação sobre a possibilidade do uso de burqa. “Somos multiculturais. Devemos ou não admitir a burqa? Se optamos pela integração não deve haver burqa no espaço público”, defendeu-se. E isto com base nos fundamentos da sociedade liberal iluminista. Agora, reconheceu-se, “é muito difícil discutir isto e encontrar uma base legal, sem preconceitos. O importante é reconhecer que a questão existe.”

Resumindo, uma solução para as opções de integração: “O principio mais importante da integração é o respeito pelas leis vigentes num país.” Se a lei nacional não aceita a poligamia, isso não deve ser admitido, por exemplo.

Se o tema da imigração é difícil e é delicado e tantas vezes queima, também admite tons e notas esperançosas. Como quando um dos oradores se referiu a Lisboa, dizendo que tem hoje “todas as cores e todos os cheiros do mundo. Sinto me muito melhor assim”.