ARQUIVO Sabores

Vinhos que valem milhões

Em leilões da especialidade, uma caixa com 12 garrafas de vinho custa mais  do que um carro. Clique para visitar o canal Life & Style.

Ricardo Lourenço (www.expresso.pt)

Jimmy é um baixinho magricela, com barba de uma semana. O fato e a gravata ajudam a disfarçar o ar, naturalmente grunge desta enciclopédia andante, que sabe tudo sobre vinho. Ano? País ou região de origem? Produtor? Pergunte-se ao Jimmy.

Sentado na fila de trás, ele passa despercebido por entre as mais de 200 pessoas que enchem o luxuoso Tru, um restaurante na baixa de Chicago. Carrões de alta cilindrada estacionados lá fora, casacos de peles exibidos cá dentro. O ambiente não engana. A festa é só para alguns, uns tantos dispostos a gastar uns bons milhões de dólares num leilão de vinhos.

As mesas estão forradas a flutes de champanhe e amostras de queijo francês. Mas estamos na América e por isso, à mistura, pode ver-se muito copo de cartão do 'Starbucks' e até garrafas de refrigerante.

ritmo frenético

Às 9h começa o leilão. Jimmy gruda-se ao ecrã do computador e começa a comunicar as licitações oriundas do mundo inteiro, via internet. Ele move-se como um robô. O braço esquerdo só sabe ir para cima e para baixo, em riste sempre que há comprador estrangeiro. Só muda o movimento quando estica a mão direita para apanhar o copo de vinho tinto, que bebe de penálti durante as raras pausas.

Na sala, os convivas procuram contra-atacar. Tudo a um ritmo frenético. O duelo vai durar mais de seis horas e com frequência Jimmy levará a melhor.

O Expresso assistiu ao leilão realizado pela Hart Davis Hart no sábado passado. Por motivos de segurança ou de confidencialidade fomos impedidos de tirar fotografias do evento e de entrevistar livremente quem quiséssemos. Duas pessoas furaram o bloqueio. Outras aceitaram falar, mas sob anonimato. Explicaram-nos o que estes vinhos têm de especial.

Sentado num dos cantos, Tom Webb poupa-se a esforços. Folheia o catálogo enquanto espera pelo momento certo. Os lotes que lhe interessam - cada um contém 12 garrafas - só chegam mais tarde. Conta ao Expresso a paixão que tem pelo Vinho do Porto e por Portugal, onde já esteve uma dúzia de vezes. "Em 1982, quando trabalhava em Londres, provei um Porto fabuloso, um Graham de 1963. A partir daí comecei a ir a Portugal, onde me apaixonei pela história do país", diz o director financeiro da empresa de energia americana CMS.

Nem de propósito, vive em Richland (terra de ricos, em tradução literal), no Estado vizinho do Michigan. De lá até Chicago (Illinois) são duas horas e meia de carro. Considera-se um pequeno coleccionador e lamenta só poder ir até aos quatro mil dólares (aproximadamente €2700) por lote, "uma verdadeira pechincha quando se olha para algumas das licitações", diz. Enquanto o Expresso o entrevista era estabelecido o recorde da sessão. Uma caixa de 12 garrafas do vinho francês Château Petrus de 1990, era arrematada por 32 mil dólares (€21.600).

Bafejados pela sorte

Webb tem uma colecção de mais de três mil garrafas. Dez por cento são de vinho do Porto. O vício começou aos 25 anos, tentando a sorte nos leilões da Sotheby's e da Christie's, em Londres. Ele e um amigo combinaram arrebanhar as poupanças e licitar até à exaustão. A verdade é que nunca conseguiam bater a concorrência. "Passados dois anos, telefonaram-me da Christie's a dizer que tínhamos finalmente adquirido 16 lotes. Fiquei radiante, pela boa notícia e procurei esquecer a má, a de que teríamos de desembolsar mais de quatro mil dólares pela extravagância. Rezei para que a minha mulher não soubesse".

Webb e o amigo tinham sido bafejados pela sorte. Nesse mesmo dia a outra leiloeira de referência, a Sotheby's, realizara uma prova de vinhos. "Os habituais compradores trocaram o leilão pela degustação e nós agradecemos".

Lei da oferta e da procura

Lei da oferta e da procura. Nem todos têm uma visão tão romântica destes leilões. No canto oposto da sala está Kevin Swersey, um homem corpulento que sua em bica enquanto multiplica licitações. Destaca-se porque é o único com um pequeno candeeiro que ilumina com luz roxa o ecrã do seu computador portátil. Tal como Jimmy, também ele age em função do que aparece no visor do PC.

Swersey representa uma série de clientes com elevado poder de compra, espalhados pelo mundo e capazes de despender, sem pestanejar, milhões de dólares em segundos. "É só uma questão de oportunidade". Tem escritório montado em Nova Iorque e viajou até Chicago de propósito. Explica de forma pragmática porque os vinhos em causa são tão caros. "Ao longo de décadas foram sempre, de uma forma consistente, considerados os melhores do mundo pela crítica. Tornaram-se especiais, raros e coleccionáveis. Os preços subiram em flecha devido à lei da procura e da oferta, porque enquanto a produção se manteve, o número de consumidores aumentou, especialmente com a entrada da China neste mercado".

Já depois da 15h, Paul Hart, um dos donos da Hart Davis Hart, faz contas ao dia. Calcula que o leilão movimentou mais de quatro milhões e meio de dólares (três milhões de euros). E não ficou uma garrafa para amostra. "Foi-se tudo", confessa.

(Texto publicado na edição 12 Dezembro Revista Única)