O fim da pandemia poderá acabar com alguns hábitos novos que primeiro se estranham, mas depois se entranharam. Um deles foi o teletrabalho. Há quem não seja mesmo talhado para estar fechado em casa mas quem tenha aprendido a surfar nas ondas do dia e a não contrariar as marés do stresse. E gostado. E para alguns a suprema felicidade é mesmo o WFB (work from bed), trabalhar da cama, o que trouxe para a contemporaneidade algo que nunca tinha estado na alcova no sentido da moral aceite: o emprego. Se quiser ser mais preciso, ao trazer os afazeres da vida para a cama, houve um regresso aos nossos antepassados ancestrais que usavam as zonas de dormir, dentro das cavernas, para fazer múltiplas tarefas do quotidiano dado que era uma área segura, confortável e livre de insetos. O WFB com portátil wi-fi e o telemóvel e os auriculares sem fio, reclinado em colchão com memória em cama XPTO a prestações é assim um salto no tempo de 100 mil anos. Mas para trás. Se quisermos fazer este tipo de analogias ‘à inteligente’ por motivos estilísticos.
As camas e respetivas atividades que acomodaram foram sempre pouco estudadas e só há pouco tempo a História e a Arqueologia se dedicaram ao assunto (leia-se “What We Did in Bed”, de N. Durrani e B. Fagan). Partia-se do princípio que pouco mais seria que sono e sexo. Não será assim. A cama de pernas e colchão existe há uns milhares de anos, mas só os muito ricos dormiam nelas (e só em algumas culturas) e os pobres no chão. Imagina-se a casa típica de aldeia da Idade Média de uma única divisão com pais, avós, inúmeros filhos e viajantes a dormirem no solo, mas a ideia de sexo não era necessariamente consumado nessa altura mas noutros locais, noutras horas do dia, noutras oportunidades. Só muito mais tarde com o surgimento do quarto privado para o casal dormir terá surgido essa ideia de que a cópula era ali, à noite, antes de dormir, num ritual abençoado. Ou talvez fosse um pouco como o filme do Ettore Scola, “Feios, Porcos e Maus”, ou como Luiz Pacheco descreveu na sua “Comunidade”. Não posso garantir.