A pandemia veio evidenciar o papel que o Turismo tem no nosso país. Foi um grande motor de desenvolvimento e abertura ao exterior nos últimos anos e hoje pode ser um dos maiores motivos de desemprego e contração da Economia, o que nos deve levar a reflectir sobre como chegámos até aqui e o que devemos fazer para minimizar estes efeitos no futuro.
Acredito que para tornar o Turismo mais sustentável e resiliente a médio-longo prazo, é necessário acontecerem alterações estruturais em duas dimensões do mercado - consolidação e profissionalização - o que permitirá concretizar a terceira vertente essencial para esta mudança - a diversificação.
Segundo o Turismo de Portugal, o Turismo é a maior atividade económica exportadora do país, sendo, em 2019, responsável por 52,3% das exportações de serviços e por 19,7% das exportações totais. As receitas turísticas contribuíram em 8,7% para o PIB nacional e o emprego no sector representou 6,9% na nossa economia. Os turistas estrangeiros representaram 59% da despesa nacional em dormidas (fonte: UNTWO), acima de outros países como Espanha (50%), Itália (49%) ou França (30%), sendo apenas ultrapassado pela Grécia (73%) ou a Islândia (87%). Estes números colocam o Turismo entre as áreas chave para a economia nacional e é um dos sectores/competências pelos quais somos reconhecidos internacionalmente.
Neste contexto, seria de esperar que o mercado turístico português fosse mais profissional, concretizando-se num contínuo, desde o reconhecimento do interesse estratégico do Turismo para o país, com materialização no seu modelo de Governance, passando pela criação e reconhecimento internacional de centros de formação na área (para além das Escolas de Hotelaria), e terminando na existência e identificação de quadros de gestão de elevada qualidade no sector, à semelhança de áreas como a banca ou a energia. Esta profissionalização está intimamente relacionada com a consolidação do mercado, pois só isso pode proporcionar a capacidade de negociação nacional e internacional que permite influenciar os grandes players internacionais (quer em termos de tecnologia como de tour operação) e implementar a estandardização de processos, economias de escala e resiliência que, por sua vez, contribuirão para atrair quadros de topo para o sector. Esta espiral virtuosa só será possível quando as universidades olharem para o Turismo como sector estratégico que já é, e, passarem a incluí-lo nos seus programas de Gestão e/ou Economia. O reconhecimento académico permitirá que o Turismo e a Hotelaria sejam saídas relevantes para cursos como a Engenharia, Informática, Matemáticas, etc., cada vez mais importantes para responder aos actuais e futuros desafios deste sector.
Seria igualmente de esperar que este sector estivesse estruturado de forma a que a regra dos 20/80 se aplicasse, tal como acontece nos restantes. No entanto, segundo os dados do Portuguese Hospitality Atlas 2019 da Deloitte, sabemos que os top 3 players em hotelaria representam apenas 10,5% do total de camas em Portugal e 6,3% das unidades hoteleiras, e o top 20 representa 30,5% e 16,0%, respectivamente. De notar que este cenário teve desenvolvimentos positivos durante a crise de 2008/2012, com a criação de fundos de reestruturação específicos para a hotelaria e que contribuíram (ainda que de forma ténue) para a consolidação do mercado, conseguindo na maioria das situações inverter o ciclo e criar operações que são financeiramente saudáveis, o que por sua vez prova a importância da profissionalização do sector. Este movimento poderia ser ainda mais impacto se, à semelhança do que acontece em muitos mercados desenvolvidos, os Investidores Institucionais tiverem um papel relevante nesta consolidação, passando a incluir as unidades hoteleiras como activos nos fundos de investimento imobiliário, criando maior capacidade financeira nos players do sector.
A consolidação do sector pode ser concretizada via mecanismos tradicionais de fusões e aquisições ou, de forma informal, através de associações regionais ou nacionais e com objectivos específicos. No actual contexto, a consolidação pelos mecanismos tradicionais carece de incentivos fiscais e legislativos, mais difíceis de concretizar no curto prazo. Relativamente à consolidação informal, à partida mais simples e rápida de implementar, tem dois obstáculos interligados. O principal, a elevada fragmentação do sector, obriga ao alinhamento de um grande número de players para atingir a dimensão mínima; sem isto, não é possível atrair os skills de gestão e tecnologia necessários para que estas associações regionais ou nacionais tenham a clareza de objectivos e capacidade para os atingir. O que nos leva de novo à importância da profissionalização do sector.
A sermos bem-sucedidos na consolidação, podemos trabalhar em dimensões para além das tradicionais economias de escala, e ter, entre outras vantagens, uma proposta de valor mais clara e consistente para atrair empresas na área da tecnologia e inovação, peças-chave na digitalização da relação com o cliente, Data BI e automatização. Também permitirá criar uma nova capacidade de intervenção mais estrutural na articulação e decisão dos diferentes ministérios, conseguindo assim reforçar a posição estratégica do Turismo para o País, concretizando o modelo de Governance acima referido
Como mencionado anteriormente, a simbiose consolidação e profissionalização contribuirá para a diversificação do Turismo nos mercados que serve, dos canais de comercialização e da oferta que apresenta. Dada a nossa condição geográfica, a diversificação de mercados só será possível se aumentarmos as vias de acesso a Portugal, nomeadamente através da criação de rotas que sirvam os principais hubs mundiais. Adicionalmente, há espaço para diversificar os segmentos de turistas que recebemos, aumentando a exposição aos mercados de luxo e MICE (meetings, incentives, conferences and exhibitions), sendo que para tal é necessário capacidade de investimento e de formação. A diversificação dos canais de comercialização virá pela relevância que os interlocutores nacionais passarão a ter, permitindo-lhes menor dependência dos gigantes da operação turística, criando ou facilitando canais alternativos. Por último, a diversidade de produto tem implícita a articulação dos esforços nacionais, a capacidade de investimento e argumentação junto do Governo para, capitalizando nos nossos recursos naturais, apresentar produtos relevantes que vão para além dos tradicionais praia e golfe. Já muito foi feito nos últimos anos e há bons exemplos neste campo, mas acredito que podemos ir mais longe e desenvolver, por exemplo, o interior do país e as ilhas na dimensão do Turismo de Natureza, com a vantagem acrescida de ser menos sazonal. Por último, numa altura em que se fala tanto em teletrabalho, em que medida é que Portugal pode reforçar ainda mais o factor clima na sua proposta de valor, apresentando um produto competitivo de lazer e trabalho, o famoso bleisure?
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