Reimaginar Portugal

A única verdadeira riqueza é uma boa saúde: a Saúde como motor da Economia e de uma Sociedade mais sustentável

Até ao início de novembro, o Expresso, em parceria com o The Lisbon MBA Católica|Nova, publica vários contributos para ajudar a relançar o país no período do pós-pandemia, no âmbito económico, social e ambiental. O projeto ReImaginar Portugal, promovido pelo Alumni Club, foi lançado pelo The Lisbon MBA para promover, numa só plataforma, um debate público sobre o nosso futuro. Não perca, no próximo dia 2 de novembro, a conferência que marcará uma nova fase desta iniciativa, convidando para o debate vários CEO, gestores, representantes institucionais e membros da sociedade civil

A COVID-19 ensina-nos a valorizar mais aquilo que tínhamos como garantido. Estamos mais curiosos e conscientes do papel das sociedades e de cada um de nós, na busca pela saúde. Mas não basta. A saúde tem que passar a ser uma prioridade, sempre. Deve ser parte de todas as escolhas e políticas e assim contribuir para uma economia sustentável. A saúde tem de ser vista como um investimento com benefícios claros a longo prazo. Os decisores políticos devem ter a capacidade de gerir ciclos mais longos e ter a coragem de desafiar decisões imediatistas que não nos preparam para situações de disrupção. Urge mudar o paradigma nas prioridades do país e colocar o acesso equitativo à saúde no topo da lista. Se a pandemia nos ensinou alguma coisa é que a única verdadeira riqueza - de uma pessoa ou de um país - é uma boa saúde.

Destaco 3 oportunidades de melhoria para o futuro da saúde. Primeiro, investir na inovação no atendimento e acompanhamento dos doentes. A atuação no percurso do doente tem que começar mais cedo reforçando a prevenção e antecipando o diagnóstico. A literacia em saúde e a alteração de estilos de vida tem impacto imediato em doenças como por exemplo a diabetes. As taxas de mortalidade pela diabetes permanecem muito altas em Portugal, com uma mortalidade de 38,7 por 100 mil habitantes, comparativamente com 22,2 em média na UE em 2016. Mesmo que possa ter havido uma melhoria nos últimos anos, apesar de todos os esforços, ainda não atuamos de forma consistente na raiz do problema, na prevenção. Outro exemplo é o diagnóstico atempado, no caso do cancro colorretal, o rastreio permite a redução do risco de morte em 67%, mas apenas 19% da população de risco é rastreada. Alargar esta cobertura significaria detetar mais cedo, aumentar a sobrevivência e a qualidade de vida.

O doente no centro do sistema continua a ser uma utopia. Precisamos de uma abordagem holística e multidisciplinar, de assegurar cuidados integrados. A criação de pontes entre profissionais de saúde, instituições e a participação dos próprios doentes, em verdadeira coparceira, permitiriam otimizar o seu percurso no sistema, assim como os resultados em saúde.

A tecnologia tem também um papel crucial na melhoria da experiência do doente e na gestão da saúde, mas precisamos de a incorporar verdadeiramente no sistema. Com a pandemia, experienciámos o quão importante a gestão da doença depende de dados robustos e fiáveis e assistimos a uma aceleração da utilização dos recursos digitais como a telemedicina, que potenciou e prolongou a relação médico-doente. As oportunidades de acompanhamento real dos doentes são inúmeras. A aposta no registo e automatização de dados em saúde será um caminho possível para uma melhor gestão dos investimentos, com decisões apoiadas em evidência e no valor das intervenções.

Segundo, temos de garantir equidade no acesso a medicamentos inovadores para oferecer atempadamente a inovação que responde a necessidades ainda não satisfeitas. Para tal, há que inovar também no processo regulamentar e de decisão de investimentos, agilizar a aprovação de reembolsos, evoluir os modelos tradicionais incorporando fatores epidemiológicos específicos e repensar modelos ajustados às tecnologias farmacêuticas avançadas, garantindo a afetação suficiente de recursos que permitam o acesso a todos os doentes. Para uma eficiente gestão destes investimentos, há que instituir modelos de decisão baseados em valor gerado, capazes de medir os benefícios (para doentes, sociedade e sistema de saúde) e que permitam apostar nas estratégias que geram maior valor.

Terceiro, Portugal tem que se posicionar como país mais atrativo para investimento do setor farmacêutico, alavancando-se nos seus ativos de competitividade. No World Economic Forum global competitiveness report 2019, que avalia a competitividade das economias mundiais, Portugal surge em 34º lugar. Um dos indicadores que afeta a nossa competitividade global é a performance do setor público, em particular a regulamentação governamental e o sistema legal, com Portugal em 96º e 113º lugar no ranking destes indicadores. Também a melhorar o score da visão de longo prazo do Governo, colocando Portugal em 98º lugar.

Sendo a inovação um catalisador da economia, a indústria farmacêutica (IF) é um setor com enorme potencial, atendendo à sua intensidade de I&D.

De forma a atrair investimento da IF, destacaria 3 áreas de atuação: a proteção à propriedade intelectual; um sistema regulamentar mais ágil e célere, que permita disponibilizar a inovação tecnológica aos doentes dentro dos timings legais e em linha com a média europeia - em Portugal os medicamentos inovadores demoram em média 711 dias entre a autorização europeia e a disponibilização aos doentes, comparativamente com 414 dias em Espanha e 127 dias na Alemanha; regularizar os pagamentos em atraso aos fornecedores.

Atrair mais investimento em I&D, concretamente na área dos ensaios clínicos é possível, mas o potencial está subaproveitado. O investimento em ensaios gera benefícios sociais e económicos como o acesso antecipado dos doentes a medicamentos inovadores, o desenvolvimento do país em inovação clínica e a atração da presença de operadores internacionais. Sermos competitivos nesta área implica rever a atual legislação para reduzir o tempo entre a apresentação do pedido de ensaio e o início do recrutamento de doentes e desenvolver capacidades na execução de ensaios.

De acordo com o BMI Innovative Pharmaceuticals Risk/Reward Index (RRI), que avalia a atratividade dos países para o lançamento de fármacos inovadores, Portugal apresentou em 2018 um RRI de 65 que compara com 74 em Espanha e 81 em França. Somos um país de alto risco e baixo incentivo para a IF pela pequena dimensão do mercado farmacêutico e pelos riscos do país, nomeadamente em matéria de pagamentos em atraso pelos hospitais.

No entanto, o estudo “O Impacto do Medicamento”, elaborado com a colaboração da McKinsey, demonstrou o valor do medicamento em Portugal. Os medicamentos inovadores permitem mais anos de vida saudável para os portugueses, mais produtividade e mais rendimento para os doentes. Permitem ainda ganhos para o Estado e para o Sistema de Saúde, com a redução de hospitalizações e também através do impacto direto na Economia, contribuindo para a valorização do PIB Português em 2,3%.

Todos ganharíamos se Portugal se tornasse mais atrativo para as empresas farmacêuticas através de um perfil de menor risco, incentivos claros ao investimento, acesso à inovação de forma célere e equitativa e controlo da dívida hospitalar.

Saibamos fazer as reformas necessárias e investimentos credíveis com sentido estratégico e inclusivos de todos os parceiros. Apuremos a visão de longo prazo para nos tornarmos mais resilientes e preparados para o futuro. Façamos finalmente jus ao potencial da investigação, da inovação e da saúde. Coloquemos o foco no doente de hoje e de amanhã, para garantir uma sociedade mais saudável. Assim, seremos capazes de trazer saúde à economia. Uma economia mais sustentável, que alimente o ciclo virtuoso do investimento na nossa Saúde e nos prepare para enfrentar de forma mais ágil novas pandemias da vida.

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