Opinião

O elogio do pessimismo

Devemos desconfiar dos políticos, quais vendedores de sonhos e utopias quando, em campanha, nos prometem todo um mundo na palma da mão

No começo de um novo ano é habitual ser otimista e falar muito em esperança. E Portugal, com três importantes eleições à porta, destila, por estes dias, doses enormes de otimismo desmedido, bem como milhentas mensagens de incontida esperança.

Talvez por isso, vou destoar desse registo e lembrar que Roger Scruton, escritor e filósofo inglês, infelizmente já falecido, publicou entre nós, em 2011, um livro com o título, aparentemente estranho de As Vantagens do Pessimismo e o Perigo da Falsa Esperança.

É, precisamente, inspirado nesse livro e em face do contexto que vivemos que avanço para esta crónica. Trata-se, muito simplesmente, de elogiar o pessimismo moderado como arma contra a falsa esperança do otimismo sem freio.

Falsa esperança, desde logo, nos vendedores de soluções simples para os problemas complexos que as nossas sociedades enfrentam.

Falsa esperança numa qualquer nostalgia igualitária e ilusoriamente fraterna que a muitos ainda seduz.

Falsa esperança nas utopias, nos amanhãs que cantam, no imaginário de um abril que nunca se concretizou. Uma qualquer idade de ouro das nacionalizações e da reforma agrária.

Falsa esperança em todos os ismos que, levados ao extremo, tanta desgraça têm causados à humanidade nos últimos dois séculos.

Falsa esperança em homens providenciais, moralmente puros, iluminados e ungidos para melhor governar os outros.

Falsa esperança num progresso imparável e em ações sem escrúpulos dos que acham que a tecnologia tudo resolve, pensando sempre mais nos seus interesses económicos e financeiros do que no bem-estar dos seus semelhantes. Todos aqueles para quem o eu pode bem subsistir sem um nós.

Falsa esperança num mundo natural, sem humanos, que apenas têm usado e abusado da mãe Gaia.

Falsa esperança, por fim, em todos aqueles que defendem que não existe uma natureza humana, que o ser humano não tem uma dignidade própria, transcendente, não se distinguindo, por essa razão, da pedra ou da galinhola.

Daí a importância da dúvida, da ponderação, do ensaio e do erro e da respetiva aprendizagem com as suas consequências, que já nos deviam ter vacinado, justamente, contra o excessivo otimismo e o perigo da falsa esperança.

Daí a vantagem do pessimismo de que nos fala Roger Scruton. Daí o seu alerta razoável para o perigo da falsa esperança. Pois, ao contrário do que resulta do otimismo desenfreado e dessa falsa esperança, nem o homem consegue antever o futuro nem, menos ainda, ser dono do seu destino, como, aliás, uma leitura atenta e necessária, quer da clássica Ilíada quer do Velho Testamento, levaria a concluir.

Afinal de contas, a esperança num paraíso na Terra que sempre se mostrou mais nocivo para ser o humano do que a dimensão escatológica do paraíso no céu defendido por muitas crenças e religiões.

E o caminho do mundo, qual floresta de múltiplos trilhos possíveis sem aparente destino, onde se cruzam todos os revezes negativos dessa falsa esperança, já nos devia ter levado a desconfiar dos otimistas militantes que, na sua pródiga irresponsabilidade, nos querem fazer acreditar na autoilusão de uma felicidade por vir.

E é por isso, também, que, muito exemplarmente, devemos desconfiar dos políticos, quais vendedores de sonhos e utopias quando, em campanha, nos prometem todo um mundo na palma da mão.

Ainda assim, e a este propósito, não deixemos de recordar que outro autor famoso, Ernest Bloch, publicou, no rescaldo das duas últimas e catastróficas guerras mundiais, um livro com o título sugestivo de O Princípio da Esperança. Livro esse que animou as elites, sobretudo à esquerda do clássico espectro político, ao continuar a alimentar a senda do otimismo pouco escrupuloso e, consequentemente, o caminho da revolução pretensamente transformadora, que se encontra na génese da falsa esperança aqui criticada.

Em suma, não se trata de defender um qualquer pessimismo radical, mas, tão-só de elogiar a sua versão moderada, atenta, que auxilie a refrear as falsas esperanças, as ilusões que, sem essa ponderação pessimista, facilmente ultrapassam os limites da razoabilidade, conduzindo, historicamente, à ruína tanto os homens quanto os povos e as nações.