Opinião

O (sub) financiamento do Ensino Superior

O reitor da Universidade de Lisboa considera “incompreensível” o facto de a fórmula de financiamento anunciada pelo Governo para os próximos quatro anos não contemplar indicadores de desempenho das instituições de ensino superior

Foi anunciada na semana passada a dotação a atribuir pelo Governo às Instituições de Ensino Superior (IES) de acordo com uma metodologia que irá ser seguida nos próximos 4 anos. Esta metodologia tem como base uma fórmula que considera o número total de alunos ponderados em função do curso/área científica, com um peso de 80%, e um fator de estabilização correspondente a 20% da média do financiamento dos últimos 3 anos. Um terceiro fator ficou já prometido na referida fórmula, o desempenho das instituições, mas a sua implementação está adiada para, pelo menos, mais 4 anos.

As razões invocadas para a não consideração do desempenho na fórmula do financiamento são incompreensíveis, já que esse é um aspeto fundamental na avaliação de qualquer instituição. A investigação, a inovação e a transferência do conhecimento novo para a sociedade não podem deixar de ser consideradas. Não se compreende, igualmente, que a qualidade do corpo docente não seja um fator importante da fórmula, já que a totalidade ou boa parte do financiamento proveniente do Orçamento do Estado é para pagar os salários dos professores e investigadores. A sua não valorização estimula a precariedade laboral, desvaloriza a carreira docente e destrói a carreira de investigação.

A fórmula agora anunciada teve em consideração algumas sugestões apresentadas pelas IES, nomeadamente a inclusão dos estudantes de doutoramento e a exclusão daqueles cuja inscrição esteja prescrita. Estes parâmetros valorizam a qualidade e a eficiência do sistema, o que se aplaude.

Outros aspetos ficaram também prometidos, como por exemplo a possibilidade de realização de Contratos-Programa de Desenvolvimento que contribuam para a coesão e o desenvolvimento regional e, ainda, a autonomização do financiamento dos Serviços de Ação Social, ajustados ao volume de atividade presentes, ou a desenvolver, em termos de infraestruturas de alojamento, alimentação e bem-estar, o que também se aplaude.

Conhecendo o país em que vivemos e a necessidade de todos contribuirmos para o saneamento das finanças públicas não deixa de ser verdade que o Governo não poderá deixar de investir em setores fundamentais, como a Educação. Pese, embora, o reforço do financiamento conseguido pelo MCTES para o próximo ano, a verdade é que não chega para ultrapassar o subfinanciamento crónico do Ensino Superior, que tem vindo progressivamente a asfixiar algumas Instituições e a manter em estado vegetativo outras tantas, por falta de coragem em as reformar ou mesmo encerrar. Um ensino superior de qualidade exige estabilização e concentração de recursos, sobretudo humanos, não se compadecendo com a ideia de criar sucursais de IES em cada freguesia do país. Prolongar o ensino secundário, chamando-lhe agora superior, não é solução para o país. Mas, convenhamos, dá votos e boas estatísticas.

Para confirmar esta realidade, basta ler o relatório da OCDE “Education at a Glance 2022”. A tabela com a contabilização do gasto do estado por estudante mostra alguma falta de ambição e de visão que tem sido colocada na definição da dotação do Estado para o Ensino Superior e a Ciência em Portugal. Os valores neste relatório estão normalizados, considerando a paridade do poder de compra associado ao PIB de cada país. Em Portugal, se incluirmos a componente de investigação, o estado investe anualmente 11.858 Dólares por estudante do Ensino Superior que compara com a média anual de 17.670 Dólares na União Europeia.

Mais esclarecedor é ainda o facto de, em Portugal, o valor do financiamento por estudante do ensino superior ser inferior ao do financiamento por estudante do ensino secundário e, este sim, muito próximo da média europeia.

Este subfinanciamento tem consequências que se ilustram muito facilmente. Veja-se o caso da Universidade de Lisboa, que em 2022 recebeu do Estado uma dotação de 239 M€ (milhões de Euros). Este valor não foi sequer suficiente para fazer face às despesas com recursos humanos. No mesmo ano, os encargos totais da ULisboa com pagamento de salários foi de 266M€! E esta é apenas uma das parcelas da estrutura de despesa das Instituições de Ensino Superior. Falta adicionar, outros custos como a energia, manutenção de instalações, segurança, higiene e limpeza, laboratórios de ensino, que têm de ser cobertas por receitas próprias.

Não nos podemos conformar com esta falta de ambição e visão no tratamento do Ensino Superior e da Ciência em Portugal. Todos estamos conscientes das dificuldades económicas que o país atravessa. Todos somos sensíveis à necessidade de acautelar o futuro. Mas, precisamente por isso, temos de olhar de forma diferente para o financiamento do Ensino Superior e o poder político tem de ser consequente com o que proclama. E, se olharmos com atenção para o Orçamento de Estado, talvez seja possível identificar com relativa facilidade de onde poderiam surgir os recursos adicionais, essenciais para termos um Ensino Superior de qualidade que possa contribuir, como o tem feito, para o desenvolvimento do país.