O PS/Governo (não sei bem onde é que termina um e começa o outro), na sua condição de privilégio, rumou ao Algarve para fazer o que o país normalmente fazia em Agosto: a festa. Enquanto isso, Marcelo resolveu partir para o lado oposto: em peregrinação a Santiago de Compostela. Quem acha isto um acaso talvez não conheça assim tão bem o Presidente da República que provavelmente ajudou a eleger.
Mas, e o país? Vai em que direcção, alguém sabe? Não, não é nem retórica, nem a dúvida poético-psicoanalitico-filosófica de O'Neill, de um país em diálogo consigo mesmo. É uma pergunta política. E é uma pergunta que tem tudo a ver com governação.
Dou exemplos. A Irlanda quis ser o país fiscalmente mais competitivo da União Europeia, acreditando que com isso atrairia mais investimento estrangeiro e alavancaria o crescimento económico. A China quis ser a grande potência à escala global e, para isso, tornou-se, primeiro, a fábrica do mundo, criou dependências estruturais do mundo para consigo, e lançou-se, depois disso, para a nova economia. O Dubai quis ser o hub entre o Oriente e o Ocidente, e para isso criou uma companhia aérea e estimulou o turismo, passando a ser o centro cosmopolita entre hemisférios. A Venezuela quis ser socialista e conseguiu empobrecer a generalidade da população e escavacar um dos países mais ricos daquela zona do globo. Neste caso lembro a velha rábula paradoxal: se alguém quer fracassar e logra consegui-lo, é êxito ou fracasso?
E Portugal? O que é que Portugal quer ser? Num país situacionista, aparentemente confortável com a sua pobreza, e silencioso quanto às suas dependências mendicantes, é preciso olhar para a União Europeia para ter uma vaga ideia de rumo. Disse rumo, mas podia ter dito algo em torno do qual as prebendas se justificam. Foi o caso do Portugal 2020 e é o caso do Portugal 2030. Lê-se, vá-se lá saber porquê, "vinte vinte" e "vinte trinta", fazendo talvez lembrar as limitações infantis com que se diz "popó" para dizer carro. Não deixa de ser sintomático: ou o país com quase 900 anos não saiu da primeira infância ou acusa já uma certa senilidade fruto da idade avançada. Neste caso, lê-se “gá-gá”.
O Portugal 2020 - que há uns anos, antes do Sr. Sócrates e o seu governo PS terem levado isto à bancarrota, era o alfa e ómega do futuro do país - tinha 8 objectivos. Sabem quais eram? A maior parte de nós não sabe. E para os que sabem: sabem quais foram os resultados atingidos no final de “vinte vinte”? Facilito: os objectivos eram ter 75% da população entre os 20 e 64 anos empregada; emissão de gases com efeito de estufa limitados a 49,1 milhões de toneladas; 31% do consumo de energia final vir de fontes renováveis; consumos de energia primária e final não ultrapassarem os 22,5 e 17,4 milhões de TEP; 2,7% do PIB ser investido em I&D; taxa de abandono precoce da educação ser inferior a 10%; 40% da população entre 30 e 34 anos ter o ensino superior; e população em risco de pobreza ser reduzida em 200 mil pessoas face a 2008.
Pergunto: num país cada vez mais pobre, cada vez mais envelhecido, com a justiça entorpecida, a educação menos exigente, a incapacidade de atrair e fixar investimento e a incapacidade de reter os nossos maiores talentos - só para dar alguns exemplos -, é isto um desígnio? Dirão que isto são metas fixadas pela União Europeia que se alinham numa visão de crescimento smart (baseado no conhecimento e na inovação), sustentável e inclusivo. Mas eu pergunto novamente: e alguém, honestamente (os clientes do Largo do Rato estão dispensados de responder a esta), é capaz de afirmar que o país está mais alicerçado no conhecimento e na inovação, mais sustentável e mais inclusivo?
Mas voltemos ao Portugal 2020. Se era um desígnio, não seria razoável que o país o conhecesse? E medisse a sua evolução? E conhecesse os seus resultados? E o discutisse como aspecto central da nossa vida colectiva?
Eu sei, essa coisa de envolvimento e participação do povaréu nos destinos do país e a responsabilização individual pela sua própria vida é coisa que soa bizarro num país que se habituou a ser conduzido e a quem foi dito que as eleições - cada vez menos participadas, aliás - era o lugar (praticamente exclusivo) para a sua participação. Coisa que é, também, razão do nosso atraso.
O Portugal 2030? Não perguntem. Entre eixos estratégicos, objectivos estratégicos, PRR, alinhamentos estratégicos, derivações sectoriais e regionais, planos e programas, tudo isto faz lembrar a velha piada de Henry Mintzberg sobre o Planeamento Estratégico: é como a dança da chuva dos índios; não faz chover, mas nós dançamos cada vez melhor. Porém, nas próximas eleições legislativas, se isso não vos aborrecer muito, perguntem aos partidos: que Portugal vamos ser convosco ao leme?
Ou então não perguntem. Aí entre a década de 80 e 90 passavam na RTP uns desenhos animados depois do telejornal. Os protagonistas eram um cavalo (o Pepe Legal), que era o Xerife, e um bicharoco mais pequeno, que não me recordo o que era, e que era o seu ajudante (o Babalu). O Pepe Legal era um cavalo apatetado, mas fazia impor a sua autoridade dizendo ao Babalu, a cada novo disparate, a célebre frase: "Babalu, para pensar estou cá eu, vê se não te esqueces". Nós, nesta apatia, somos o Babalu da história deste país. Mas não precisa ser assim. E, quiçá, Marcelo esteja a dizer isso escolhendo caminhar na direcção oposta à do governo.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia
O PS em festa, Marcelo no Caminho de Santiago e o país feito Babalu
O Pepe Legal era um cavalo apatetado, mas fazia impor a sua autoridade dizendo ao Babalu, a cada novo disparate, a célebre frase: "Babalu, para pensar estou cá eu, vê se não te esqueces". Nós, nesta apatia, somos o Babalu da história deste país. Mas não precisa ser assim. E, quiçá, Marcelo esteja a dizer isso escolhendo caminhar na direcção oposta à do governo