Não devemos analisar a descrença dos povos na democracia pelo crescimento de forças antidemocráticas. Isso é a consequência extrema. É nas posições consensuais e aparentemente neutras que o desconforto se expressa. Os apupos a Gouveia e Melo retrataram uma margem de chalupas ensandecidos por excesso de exposição às redes sociais. Os aplausos, uns dias depois, foram mais significativos. Eles resultam de uma vacinação bem sucedida, obviamente. E os aplausos a quem a coordenou não podiam ser mais merecidos. Mas alguém imagina que seriam dirigidos assim, de forma espontânea, à passagem de uma ministra da Saúde, a quem a maioria (segundo as sondagens) até reconhece um bom trabalho? A reação corajosa do vice-almirante à horda de imbecis que o insultou também explica esta reação. Mas qual seria o tratamento mediático de ato semelhante vindo de um político? Não seria a coragem transformada em arrogância? Ainda reconhecemos a políticos o direito de usar assim a sua autoridade?
Exclusivo
Ninguém nos salva
Temos um excelente SNS e um poder local que mudou este país radicalmente. Tiveram um papel central na vacinação. Não exibimos por estas instituições, construídas por nós, um orgulho semelhante ao que entregamos às glórias de passados longínquos. E continuamos a pôr-nos no papel subalterno de quem precisa de um pai protetor. O vice-almirante fechou exemplarmente a campanha para o envolver na política: “Qualquer ser que apareça como o salvador da pátria é mau para a democracia, porque a democracia salva-se em conjunto com todos os atores do sistema democrático.”