Tive um bebé há um mês. Esta experiência recorda-me que há momentos na vida em que se está numa posição para ajudar e há outros momentos em que preciso é aceitar ajuda. Quem aceita ajuda e revela a sua vulnerabilidade sabe que é doloroso, mas necessário para poder receber ajuda, para poder melhorar, para poder crescer.
Existe um sentimento de despojamento quando se pede ou aceita ajuda. Quer seja no pós-parto, como eu, ou na doença, numa debilitação temporária como uma perna partida, numa situação de desemprego, num problema com um filho, ou num vício, este sentimento pode ir de um certo desconforto até uma dor excruciante. Alguém que lute com o alcoolismo ou outro vício, sabe que é preciso atingir o fundo para perceber que não o consegue superar apenas com as suas próprias forças, precisa de aceitar ajuda de outra pessoa.
As crianças são vulneráveis e aceitam ser cuidadas naturalmente. No seu processo de crescimento, precisam de aceitar muita ajuda e cuidados. Para os adultos doentes e idosos é mais complicado. No entanto, analogamente, é preciso aceitar muita ajuda e cuidados em adultos, nestes momentos de crise, para um crescimento psicológico ou interior. Numa cultura em que se vê a felicidade puramente como “bem-estar” e prazer físico, pode advir algo de bom da doença ou do sofrimento e, ainda, ter de passar pela vergonha de pedir ajuda? Numa cultura em que tudo é relativo exceto o individualismo e se vive na ilusão de não depender de ninguém, poderá haver felicidade em servir e cuidar de um doente ou pessoa mais vulnerável?
Surge a proposta de lei em Portugal para a despenalização da eutanásia e depara com todas estas complexidades da vida humana. Quem não conhece um idoso ou um doente que não quer “dar trabalho” aos que cuidam dele? Ninguém gosta. Quem não conhece alguém que esteja a passar por uma crise de sofrimento intolerável” na sua vida? Aliás, quem nunca passou por uma crise ou várias de “sofrimento intolerável” na sua vida? Estas são razões para acabar com a vida de alguém? Ou deixar que alguém acabe? Se alguém estivesse à beira da janela do 14º andar do seu prédio a contemplar estas duas perguntas, não hesitaríamos dizer para desistir dessa ideia suicida, que havia muitas pessoas certamente a sentir a sua falta e a ficar triste por esse acto, que certamente ainda haveria sentido para a sua vida continuar, mesmo em condições angustiantes. Nesta situação, não hesitaríamos ver esta pessoa como necessitada de ajuda e, por mais difícil e vulnerável que seja aceitar ajuda, seria a melhor hipótese naquele momento.
A pessoa que expressa vontade em morrer deve ser acompanhada e ajudada. É saudável ter vontade de viver e não o contrário. Alguém que não tenha essa vontade talvez precise de ajuda em vez de ser morta.
E qual a garantia que alguém não peça a eutanásia para deixar de “ser fardo” para outro, e para não ter de ficar dependente de ninguém? O estudo Van der Reit et al. (2009) demonstra como os profissionais de saúde tendem a ver os idosos como não dignos de consumo de tempo e de tratamentos. Isto pode passar mensagens contraditórias sobre o valor dos idosos, que podem, inconscientemente, ser interiorizadas. Interessa saber se os idosos poderão ver a eutanásia como meio de evitar a velhice, evitar receber cuidados de pouca qualidade e finalmente evitar ser um fardo para outros e para a sociedade (Hausman E., 2004. How press discourse justifies euthanasia. Mortality, 9, 206–222).
A proposta de lei da eutanásia em Portugal surgiu muito despercebida na comunicação social e desconhecida da maioria dos portugueses. Parecem querer avançar a lei a todo o custo. Porquê passar uma lei para terminar a vida, principalmente de idosos e pessoas mais vulneráveis?
Mas, perguntarão alguns, o direito à vida é também o dever de viver? Sim, onde existem direitos também existem deveres. Temos deveres uns para com os outros, de dar e de receber, de cuidar e de ser cuidado. Para que é que estamos aqui neste mundo, senão para amar e ser amados? Amar também é amparar e ser amparado nos momentos de crise, escutar e ser escutado, e também procurar soluções para aliviar o sofrimento dos outros. A vulnerabilidade faz parte da nossa humanidade e faz parte do amor. Um dia estamos nós numa posição para ajudar alguém mais vulnerável, mas noutro dia poderemos estar nós. Temos o dever de ajudar quem precisa e os membros mais vulneráveis da sociedade.