Opinião

A saída da crise e o enorme fardo fiscal

Quando procuramos uma luz para sair de mais uma crise, não nos podemos esquecer de aliviar o eterno fardo fiscal, defende o advogado e professor universitário José Conde Rodrigues

José Conde Rodrigues

Por estes dias sombrios, são muitos os que afirmam estarmos perante a maior crise económica do segundo pós-guerra. Ao mesmo tempo, em Portugal, notícias recentes indicam que a receita fiscal sobre os rendimentos do trabalho, foi, em 2020, a mais elevada dos últimos anos. Será um paradoxo, uma anormalidade, ou apenas o triste resultado do nosso enorme fardo fiscal?

Na verdade, infelizmente, todos os anos Portugal tem vindo a descer no ranking mundial da competitividade fiscal. Trata-se, antes de mais, de um sinal importantíssimo da nossa incapacidade de crescer economicamente e, por sua vez, de sustentar o nosso Estado e o nível de bem-estar das nossas famílias (Relatório da Competitividade Mundial do World Economic Forum).

Por seu lado, quer a Comissão Europeia, quer o FMI, num momento em que estamos a executar o Orçamento para 2021, ainda sem o reforço dos tão esperados fundos europeus, não se cansam de afirmar que precisamos de melhorar a nossa competitividade tributária, tal significando, sobretudo, dar estabilidade ao quadro legislativo, garantir procedimentos céleres e reduzir taxas, com particular ênfase nas áreas que possam atrair investimento estrangeiro, reforçar a capitalização das empresas e estimular a atratividade do país.

Ou seja, é o sistema tributário que nos faz cair na competitividade internacional e afasta muitos estrangeiros que por cá querem investir. E, em ambos os casos, a razão apontada para esta profunda queda, que nos coloca face a um retrocesso nacional, assenta na falta de confiança no sistema, nomeadamente devido à sua forte instabilidade legislativa, à sua complexidade, bem como às elevadas taxas marginais de muitos dos seus impostos.

Tais relatórios das instituições internacionais, em vez de ser desconsiderados, deveriam ser tidos em conta, pois a iniquidade e a ineficiência do sistema tributário também prejudicam as famílias e as empresas portuguesas, representando, nomeadamente, um forte entrave ao fortalecimento das profissões qualificadas e do tecido mais empreendedor.

Mas o nosso problema não reside apenas no elevado valor absoluto da carga fiscal, que inclui ainda os elevados custos com as contribuições para a segurança social. O problema reside, sobretudo, em saber quem deve pagar. É um problema de incentivo justo e de distribuição eficiente dessa carga fiscal. Pois, com exceção dos impostos indiretos, como o IVA ou outros, como os chamados impostos sobre o vício (álcool, tabaco, etc.), são poucos os que pagam e são quase sempre os mesmos a pagar.

Embora a riqueza produzida no país, que serve de matéria coletável para a tributação, se manifeste enquanto rendimento, património e despesa, o facto é que não deixa de ser sempre a mesma riqueza, implicando, por isso, um maior rigor, coerência e proporcionalidade, tanto acerca do que se tributa, como sobre a capacidade contributiva de quem se tributa.

É certo que estamos a viver uma grande crise, desta vez devido à pandemia, e muitos dirão que este não será o momento para alívios fiscais. Todavia, é nas crises que devemos criar oportunidades, evitando que, entre nós, de cada vez que se pretende arranjar receita extra, reduzir o défice, se aumente sempre a tributação, através de vias injustas ou ineficientes.

Infelizmente, nunca se opta pela redução dos serviços públicos inúteis ou pela redução das diversas subvenções, benefícios ou subsídios não justificáveis para diminuir a despesa. Mais, tal como agora está a acontecer, aproveita-se sempre a emergência e a urgência, para gastar livremente, porque não se programam, não se definem atempadamente, e de forma competente, as respetivas necessidades.

Em suma, quando procuramos uma luz para sair de mais uma crise, não nos podemos esquecer de aliviar o eterno fardo fiscal. Aquilo de que necessitamos, como de pão para a boca, é de voltar a dar confiança, estabilidade e competitividade internacional à nossa economia, onde a qualidade do sistema tributário é um elemento estruturante.