Zero. É este o número de emissões de gases com efeitos de estufa que a União Europeia (UE) quer atingir até 2050, uma meta que deverá ser antecipada em cinco anos por Portugal. O objetivo é tentar estancar a ferida aberta do planeta e evitar o aumento da temperatura média da Terra para lá de 1,5 graus, como pedia o Acordo de Paris. “Estamos a caminhar para um grau acima do desejável”, avisa Francisco Ferreira, presidente da associação Zero.
O ambientalista foi um dos participantes no debate que juntou esta semana algumas das 20 personalidades portuguesas, selecionadas e apresentadas pelo Expresso (ver lista), que estão a contribuir para a neutralidade carbónica. Da arquitetura à engenharia ou da construção ao ativismo, todos partilham a ambição de mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Débora Laborde, cofundadora de uma associação para a limpeza dos oceanos, acredita que mais e melhor educação ambiental é a “chave” para mudar comportamentos. “A Oceanum Liberandum, juntamente com outras entidades, recolheu, apenas em dois dias, mais de 10 toneladas de lixo em Portugal. Isto é só um retrato daquilo que se passa por todo o país e no mundo”, lamenta.
A par da sensibilização, Francisco Ferreira defende ser preciso “visão local” e mostrar às pessoas que “o nosso papel, mesmo que muito pequeno, é decisivo” para cumprir o desígnio da sustentabilidade.
Falta ainda, aponta Maria José Roxo, uma “visão sistémica” das políticas públicas na gestão dos recursos naturais, que se traduz em momentos de crise, como a falta de água que se faz sentir no Algarve ou “os incêndios de que falamos todos os anos. Gostava muito que as políticas públicas fossem pensadas em relação à diversidade e especificidade dos territórios”, diz a professora catedrática e especialista em desertificação, que conclui que só assim se chegará a 2030 com avanços nas metas climáticas.
É até ao final desta década que devem ser cumpridos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, mas também o ano em que a UE deverá ter reduzido as suas emissões, face aos níveis de 1990, em 55%. E em 90% até 2040.
Construção sustentável é aposta ganha
A partir de 2030, os novos edifícios construídos na UE terão de ser neutros em carbono, e isso implica um esforço de adaptação no sector, uma realidade que o líder da Vanguard Properties, José Cardoso Botelho, conhece bem. Se reconhece que no mercado empresarial “a preocupação já é muito grande” sobre a classificação energética dos edifícios, o empresário diz que, no mercado habitacional, ainda há “falta de informação”. “Se não tiverem habitações com certificação energética elevada, vão ter um produto que vai valer menos”, alerta. Para reduzir o custo ambiental da construção, Cardoso Botelho não tem dúvidas de que a solução passa pela utilização de materiais sustentáveis, como a madeira, e novas técnicas — incluindo na arquitetura.
A torre de escritórios desenhada por Alejandro Aravena, no Chile, é um dos exemplos apontados pela arquiteta Catarina Martins, da OpenBook. Neste caso, Aravena cortou o consumo energético do edifício em um terço. “Há uma preocupação dos meus colegas na integração de materiais que sejam cada vez mais locais, com menos emissões de carbono e que tenham uma pegada ecológica muito diminuta”, assegura Catarina Martins.
João Rafael Santos, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, vê no planeamento do espaço público uma oportunidade para endereçar questões como a “transição energética, mas também a mobilidade e inclusão social”. O desenho da rede de transportes, a criação de jardins e a gestão da água são elementos-chave para a estratégia que as cidades devem ativar para se tornarem mais sustentáveis e protegidas dos efeitos das alterações climáticas.
Olhos postos no objetivo
Depois da COP28, em que duas centenas de países assinaram o compromisso de abandonar os combustíveis fósseis, é preciso continuar a reforçar a geração de energias renováveis. De acordo com o previsto, Portugal deverá ter, em 2026, 80% da sua energia com origem verde. Porém, para dar resposta em poucas décadas à meta da neutralidade carbónica, será preciso inovar, encontrar novas tecnologias e soluções. “Uma larga parte da tecnologia e dos modelos de negócio que irão sustentar esta transição energética não foram ainda, sequer, inventados. Precisamos de trilhar este caminho de inovação”, considera Vera Pinto Ferreira, CEO da EDP Comercial.
Esse percurso tem sido feito por pessoas como Álvaro Sousa, o engenheiro da Keyou que está a converter camiões a diesel em hidrogénio, ou César Barbosa, que tenta colocar o microcarro elétrico The Tuga nas ruas, entre tantos outros líderes da transição. Mais do que política, a sustentabilidade é um imperativo que convoca a sociedade, sublinha o CEO do grupo DST. “O planeta não resiste mais, não há mais recursos. O planeta está exaurido”, remata José Teixeira.
AS GRANDES IDEIAS DOS 20 LÍDERES DA TRANSIÇÃO
Ana Milhazes
Ativista Incentivar a proteção do ambiente e penalizar os infratores.
Andreia Carreiro
Empreendedora Garantir o cumprimento das metas ambientais.
Andreia Fernandes
Gestora Aumentar e facilitar os apoios à sustentabilidade para as PME.
António Miguel
Investidor Apostar nos incentivos fiscais para a tecnologia verde.
Álvaro Sousa
Engenheiro Estudar o ciclo de vida dos produtos e o impacto ambiental.
Carla Gonçalves
Investigadora Partilhar dados sobre energia entre empresas.
Catarina Martins
Arquiteta Repensar o desenho das cidades para a sustentabilidade.
César Barbosa
Empresário Cumprir 17 metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
César Martins
Químico Reforçar a fiscalidade verde para penalizar produtos com impacto no ambiente.
Débora Laborde
Ativista Recuperar hábitos de consumo de produtos a granel.
Francisco Ferreira
Ambientalista Reduzir consumo, a começar pelos combustíveis fósseis.
Gonçalo Saraiva
Diretor Simplificar acesso a fundos para a transição energética.
João Maciel
Investigador Criar um Simplex para a transição energética e reduzir a burocracia.
João Rafael Santos
Professor Colocar o espaço público a funcionar em rede e de forma sustentável.
José Cardoso Botelho
Gestor Investir na reflorestação do país para sequestrar CO2.
José Teixeira
Empresário Aplicar estratégia para erradicação da pobreza a médio prazo.
Maria José Roxo
Professora Fazer uma melhor gestão dos recursos naturais do país.
Miguel Bastos Araújo
Cientista Rever a política fiscal do Estado para beneficiar ideias verdes.
Nuno Brito Jorge
Empreendedor Dar benefícios fiscais a quem investe em sustentáveis.
Sofia Santos
Consultora Ensinar sustentabilidade em todos os cursos.