1. Trazer a política fiscal para o século XXI
Miguel Bastos Araújo é um dos mais reputados investigadores portugueses, com um longo percurso no estudo do impacto das alterações climáticas na biodiversidade. Considerado o cientista mais citado do mundo, este biogeógrafo acredita que a sociedade está perante “uma bomba-relógio” no que ao consumo de recursos diz respeito. “Temos um planeta finito, com uma área finita, com recursos finitos e estamos, de facto, numa trajetória que é muito difícil de gerir”, avisa.
Garantir a inversão de rumo passa não só por reduzir o consumo, mas sobretudo pela alteração da forma como o Estado aplica impostos. “A fiscalidade que temos é do século XX”, critica o especialista, que pede uma transformação na política fiscal que inclua a sustentabilidade como um dos seus principais objetivos. O sistema deve ser “reorientado” para “onerar” as atividades prejudiciais ao ambiente e favorecer aquelas que protejam o planeta.
2. Incentivar a aposta em tecnologias verdes
Uma boa ideia nunca vem só, que o diga António Miguel, diretor-executivo da Maze, o braço de investimento da Fundação Calouste Gulbenkian em projetos de impacto social. O líder deseja chegar a 2030 “com uma sociedade que consiga fazer uma transição justa para uma economia muito mais descarbonizada”, mas reconhece que será preciso “investir bastante em inovação”.
A aposta em disrupção “é arriscada”, pelo que considera que o Estado deve criar “incentivos fiscais para quem investe muito cedo nestas tecnologias” que podem ajudar a resolver a “urgência climática”. Em simultâneo, garantir que é uma prioridade todos os cidadãos estarem em pé de igualdade. Um dos pilares para o bem-estar é o acesso a habitação. “Uma ideia podia ser utilizar o que era o regime dos vistos gold para o investimento em habitação social”, sugere António Miguel, apontando o regime fiscal como uma forma de “canalizar” esse dinheiro para o bem comum.
3. Implementar o simplex da transição energética
A tecnologia não é hoje um entrave à concretização dos objetivos para a neutralidade carbónica, ainda que todos os dias seja preciso “inventar coisas novas” para lá chegar. O verdadeiro obstáculo é o excesso de burocracia, considera João Maciel. “Há uma coisa que é essencial para a implementação de renováveis: haver um sistema regulatório simples e estável”, afirma o diretor-geral da NEW — Centro de Investigação e Desenvolvimento do grupo EDP.
A expansão das comunidades de energia ou das centrais fotovoltaicas é, com frequência, atrasada pela demora no licenciamento e na certificação, uma realidade que dificulta a aceleração da transição energética. “A minha ideia é criar um simplex que vise estabilizar e simplificar o sistema regulatório”, afiança o homem que lidera o laboratório de inovação no sector em Portugal. E porque “2030 não está assim tão longe”, João Maciel diz que esta é uma medida urgente para o país.
4. Repensar o desenho das cidades do futuro
As grandes metrópoles são cada vez mais locais de concentração da população mundial, mas nem sempre foi assim. Segundo a ONU, em 1950 apenas 30% das pessoas viviam em cidades, valor que subiu para 55% em 2018 e que deverá atingir 68% até 2050. Estes números traçam um retrato da pressão a que estes aglomerados estão sujeitos e sublinham a importância de “repensar as cidades” e a forma como gerem os seus recursos, diz Catarina Martins. A arquiteta dedicada à sustentabilidade, que desenvolve trabalho no atelier Openbook, não tem dúvidas de que a forma como planeamos estes espaços deve ser revista.
O Estado deve, na sua opinião, apoiar “com ajudas fiscais e outros incentivos” a integração de “premissas sustentáveis” — como instalação de parques para bicicletas, painéis solares — até à reabilitação urbana, que “em si faz com que o impacto ambiental que é provocado por uma construção nova seja altamente reduzido”.
5. Organizar o espaço público em rede
João Rafael Santos, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, tem dedicado a carreira ao estudo sobre as sucessivas intervenções nas áreas metropolitanas, em especial na capital. Coordenador da investigação MetroPublicNet, diz ser fundamental olhar para o passado para corrigir erros no urbanismo e construir espaços públicos que “funcionem em rede”. O território é “multidimensional e multifuncional” e tem capacidade para “integrar componentes que dão resposta a grandes desafios da transição energética e de adaptação às alterações climáticas”, sublinha.
Como especialista, propõe uma reflexão alargada sobre como podem as cidades promover “a coesão social”, assim como planear cada vez melhor o desenho de zonas verdes, com mais sombra, melhores transportes públicos e integração da água no seu coração. “O espaço público pode ir ao encontro do que são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, afiança.
6. Fiscalizar e penalizar os poluidores
As atitudes dizem mais do que as palavras e é esse o lema que Ana Milhazes, ativista e fundadora do movimento Lixo Zero Portugal, aplicou à sua vida. “Há uns anos decidi que queria deixar de produzir lixo e reduzir ao milímetro tudo o que fazia”, recorda. De lá para cá, aprendeu a viver apenas com o que precisa e a reutilizar tudo o que conseguia, porque defende “que a grande mudança está nestes pequeninos passos que podemos fazer a cada dia”.
Através das suas redes sociais, partilha dicas sobre sustentabilidade com milhares de seguidores e procura, sempre que pode, influenciar quem a rodeia. Do lado do Estado, pede que exista mais “coerência entre o que se define” e o que se aplica. “Devemos incentivar as pessoas que praticam boas ações e, por outro lado, aplicar fortes penalizações a quem não o faz”, aponta. Não basta definir multas para os poluidores, é preciso fiscalizar e garantir que são castigados, insiste.
7. Investir na reflorestação do país
Proteger o ambiente não passa apenas por reciclar e trocar os combustíveis fósseis pelas energias renováveis, mas implica também reduzir o impacto das atividades que não podemos dispensar. Foi essa missão que José Cardoso Botelho, cofundador e CEO da Vanguard Properties, abraçou nos últimos anos com investimentos avultados em projetos imobiliários com baixas emissões de CO2. Uma das peças essenciais para a transformação que está a levar a cabo é a utilização de madeira e novos processos industriais capazes de baixar o custo dos edifícios para o planeta.
A ideia que lança é para uma aposta forte do país na reflorestação. “As árvores são uma forma excelente de sequestrar e armazenar CO2”, sublinha, lembrando que este investimento permite alimentar uma indústria de construção com “matérias-primas mais sustentáveis”. Assim, acredita, será possível “fazer uma alteração bastante significativa” da saúde da Terra até 2030.
Textos originalmente publicados no Expresso de 29 de dezembro de 2023
Líderes da transição
O Expresso, com apoio da EDP, selecionou 20 personalidades portuguesas com percurso assinalável na jornada da sustentabilidade. Ao longo de 10 semanas, o semanário publicou as ideias destes académicos, empresários e ativistas com vontade de mudar o mundo. Saiba tudo sobre o projeto Líderes da Transição no site do Expresso.