Líderes da Transição

O biogeógrafo que quer impedir a explosão da “bomba-relógio” do consumo excessivo

Miguel Bastos Araújo é um dos cientistas mais citados do mundo e tem dedicado a carreira ao estudo sobre o impacto das alterações climáticas na biodiversidade. Esta é uma das 20 personalidades portuguesas selecionadas pelo Expresso para integrar a lista daqueles que lideram a transição para um mundo mais verde. Acompanhe esta descoberta até dezembro com o projeto Líderes da Transição, do Expresso com apoio da EDP

Venceu o Prémio Pessoa em 2018 e acumulou, com essa distinção, o facto de ter sido o primeiro cientista dedicado ao ambiente a receber o galardão. Mas este não é o único reconhecimento que Miguel Bastos Araújo, 54 anos, guarda na prateleira – há mais de duas décadas que é reconhecido entre os seus pares como tendo sido um dos pioneiros a estudar o impacto das alterações climáticas na biodiversidade. “Quando comecei a trabalhar com estas perguntas no princípio deste século, havia muito pouca gente a trabalhar em alterações climáticas. Tive a sorte de ter sido um dos pioneiros nesta área”, afirma em entrevista ao Expresso.

Formou-se em Geografia, em meados dos anos 90, em Portugal, mas foi no Reino Unido que concluiu o mestrado e, mais tarde, o doutoramento. O percurso académico e científico é extenso – já assinou mais de 250 publicações – e foi mesmo agraciado com o título de cientista mais citado em vários anos consecutivos, entre 2014 e 2020. Apesar das credenciais, acredita que esteve “no local certo à hora certa” e que é a curiosidade que o move que tem permitido alcançar o sucesso no meio científico.

“Temos um planeta finito, com uma área finita, com recursos finitos e estamos, de facto, numa trajetória que é muito difícil de gerir”

A par com o trabalho de investigação que mantém, Miguel Bastos Araújo é, desde abril, presidente do Conselho Científico de Ciências Naturais e do Ambiente na Fundação para a Ciência e Tecnologia. “Tenho um interesse e uma dedicação às causas do ambiente que têm mais de quatro décadas”, acrescenta.

O ‘problema’ de se dedicar à pesquisa e à produção de conhecimento na área da biodiversidade é que, conhecendo os factos, assume-se pouco otimista em relação ao futuro e, em particular, às metas de sustentabilidade definidas para 2030. “Neste momento sou menos otimista, na medida em que, desde a pandemia, depois com a guerra na Ucrânia e agora a guerra em Israel e na Palestina, estamos a verificar uma alteração do sistema geopolítico e não sabemos qual é a trajetória que vai surgir daqui”, afirma.

O especialista acredita que se verifica “uma redução do foco nas políticas do ambiente”, que perderam prioridade em termos de investimento público que está agora a ser “redirecionado para defesa”. No final desta década, estaremos “a braços com uma crise climática ainda maior” e que terá, defende, “repercussões sociais e políticas muito importantes”. Ainda assim, diz, a sociedade não deve cruzar os braços e aceitar a derrota.

IDEIA MICRO | COMPRAR PRODUTOS VERDES CERTIFICADOS

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Nesta guerra contra o tempo – recorde-se que o Acordo de Paris quer evitar a subida da temperatura global do planeta para lá de 1,5 graus até 2030 - Miguel Bastos Araújo considera que cada cidadão pode contribuir para esta missão, embora reconheça que os consumidores são “uma gota no oceano” e têm “parca capacidade de ter impacto”.

Porém, se existir informação científica, de qualidade e pragmática sobre as consequências que cada produto consumido tem no ambiente, as pessoas podem escolher tomar melhores decisões no seu dia a dia. A sugestão do biogeográfico passa por ter cada vez mais consumidores a optar por bens mais sustentáveis sempre que possível. “Não existem sistemas de certificação para vários produtos de primeira necessidade. É muito importante avançar-se para um processo de certificação dos produtos para permitir às pessoas tomar escolhas racionais”, explica.

IDEIA MACRO | REVER A POLÍTICA FISCAL DO ESTADO

Peter Dazeley/Getty Images

Do lado do poder político, há muito a fazer e, para o investigador, o Estado deve começar por rever a sua política fiscal que é ainda “do século XX”. “Se a batalha do século XX era reduzir as desigualdades [sociais e económicas] naquela geração, a batalha do século XXI é assegurarmos que as próximas gerações terão recursos disponíveis para obter uma vida digna”, afirma.

Para isso, é crucial “reorientar” a fiscalidade para que as atividades que são prejudiciais ao ambiente sejam penalizadas e, em sentido contrário, premiar aquelas que “vão no sentido da sustentabilidade”. Ao ritmo que a sociedade tem vindo a consumir recursos, Miguel Bastos Araújo não tem dúvidas de que “isto é uma bomba-relógio” que tem de ser parada.

São académicos, empresários e ativistas com vontade de mudar o mundo para melhor, um passo de cada vez. O projeto Líderes da Transição, do Expresso com apoio da EDP, selecionou 20 personalidades portuguesas com percurso assinalável na jornada da sustentabilidade e vai partilhá-lo com os leitores até dezembro. Ao longo de 10 semanas, o Expresso publica as suas histórias, percursos e ambições para incentivar a transição para um futuro mais verde.