Opinião sem cerimónia

Novo SEF mas a mesma missão e um desafio para o futuro: os portugueses ilegais

A brusca mudança do SEF para a AIMA e outras instituições é um processo difícil, impossível de acertar tudo à primeira e que por isso exige humildade aos seus responsáveis e tolerância aos escrutinadores. Tudo isto só correrá bem se houver bom senso de ambas as partes como única alternativa a melhorar a situação anterior e evitar o oportunismo dos populistas.

Como já aqui escrevi, a extinção do SEF foi um tremendo disparate do Governo de António Costa para reagir à trágica polémica da morte do cidadão ucraniano. “Sepultado” o SEF nasce a nova Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) que tem um enorme desafio pela frente e que, apesar da sua génese, deve merecer todo o apoio possível das pessoas e das instituições.

Se a missão da AIMA é fundamental para integrar e acolher bem quem nos escolhe para viver, o seu sucesso é essencial para reduzir o espaço aos xenófobos ou populistas, quais abutres, que esperam cada deslize para conseguir uns minutos de fama.

Significa isto que tanto devem ser dadas todas as condições e recursos à AIMA para cumprir a sua difícil missão como cada um de nós, e principalmente a Assembleia da República, tem o direito e o dever de ser exigente no escrutínio responsável ao desempenho da sua missão. Apesar de toda a preparação e planeamento que tenha ocorrido, devemos ter consciência que uma mudança tão radical e com a pressão de tanto trabalho acumulado é muito provável que nos primeiros tempos nem tudo corra tão bem como desejamos.

Nesta fase importa garantir que a estratégia de desagregação de competências e a sua distribuição pelas diversas instituições, algumas já existentes como a PSP, GNR, IRN, PJ ou a recém criada AIMA, não vai prejudicar os eixos das missões pretendidas, sejam elas de proteção das fronteiras e a segurança interna, seja a gestão documental, o acolhimento e a integração.

O normal será este arranque enfrentar várias barreiras e dificuldades, é impossível num curto prazo resolver no imediato os problemas do passado ao mesmo tempo que se enfrentam as “dores de crescimento” de uma fusão de instituições, deslocações de colaboradores, fusão vs integração em novas culturas institucionais e sobretudo as novas competências. O que se pede à tutela e a quem gere esta mudança é transparência e uma boa gestão de expectativas, é humildade e frontalidade, é mais sensibilidade e menos propaganda. Durante este processo de mudança é crucial uma boa ligação tanto com os “utentes” mas também com as instituições a quem compete acompanhar ou fiscalizar estas funções, com principal destaque para o Parlamento e para a Provedoria de Justiça que tanta atenção tem dado ao tema, sem esquecer o Presidente da República e as ONGDś do sector.

Escrevo este texto como alguém que foi ferozmente crítico da extinção do SEF mas que hoje deseja todo o sucesso à AIMA já que depois de dado este passo já não é possível recuar. Seja este Governo ou o próximo, que espero seja do PSD, deverá continuar este processo de consolidação da AIMA e das competências do SEF que passaram para a PSP, GNR, IRN e PJ.

A este propósito, importa ainda recordar que dois principais problemas do SEF eram o tempo de espera nas filas do aeroporto mas sobretudo a demora que existia nos processos documentais, problema que ainda hoje se mantém. Se a espera no aeroporto não é apenas uma questão do SEF, mas também da ANA e do Governo, no que diz respeito à documentação esse é o maior desafio que a AIMA terá pela frente. A este propósito pedem-se medidas excepcionais tal como os já anunciados “dias abertos” como a tutela já anunciou, mas também equipas especializadas e focadas, com incentivos quiçá financeiros, para dar respostas aos milhares de pedidos em atraso, seja para legalizar seja para rejeitar.

Aproveito a oportunidade para deixar outro alerta tanto à liderança da AIMA como à sua tutela política, a Ministra dos Assuntos Parlamentares. Apesar da pressão sobre o antigo SEF vir dos milhares de imigrantes que chegaram recentemente a Portugal, há uma outra realidade que carece de solução. Temos milhares de “portugueses” ilegais que nasceram no nosso país, nasceram em hospitais públicos, estudaram nas escolas públicas, trabalham em Portugal há 20, 30 anos e continuam ilegais. São pessoas com parcos recursos, que não conseguem pagar a um advogado que lhes trate dos papéis, que vivem numa semi marginalidade que os leva a usar documentos de amigos ou familiares e que continuam numa clandestinidade que prejudica todos. Têm até receio de ir aos outros serviços públicos com medo de uma expulsão ou mesmo prisão. Apesar de tudo isto, e felizmente graças à flexibilidade ou permissibilidade dos nossos serviços públicos, estes “portugueses ilegais” nunca deixaram de poder usufruir das escolas, do SNS ou dos diferentes instrumentos sociais. Estabilizada a AIMA e esta mudança, o próximo desafio será encontrar uma solução definitiva para estas pessoas que são portugueses como eu mas porque os pais não tinham os papéis adequados ou porque além se esqueceu de os registar etc, são hoje, injustamente, cidadãos de segunda.