Opinião sem cerimónia

O erro ocidental sobre a proposta da China

A forma precipitada e quase infantil como a UE e os EUA rejeitaram a iniciativa chinesa foi um erro estratégico, ao contrário de Zelensky, que mostrou abertura a Pequim, já que sabe ler como poucos a opinião pública e o xadrez político internacional em que se movimenta e no qual se tornou especialista. Jamais seria ele a rejeitar qualquer tentativa de paz e a ser um aliado de Putin que fosse a China

Após a inação europeia quando da invasão russa da Crimeia e do Donbass, praticamente todas as ações europeias e americanas relativamente à Guerra na Ucrânia tinham sido até agora extremamente positivas, moralmente inquestionáveis e estrategicamente corajosas. O primeiro grande erro agora surge na reação à proposta de processo de paz apresentada pela China.

Na Conferência de Segurança de Munique, o diplomata chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi apresentou uma proposta de iniciativa de paz que pretendia acabar com a guerra da Rússia contra a Ucrânia respeitando a Carta das Nações Unidas. Essa proposta continha 12 pontos que podem ser lidos resumidamente em Proposta de paz. O que precisa de saber sobre os 12 pontos da China para pôr fim à guerra (tsf.pt)

A rejeição liminar e demasiado imediata da União Europeia é um erro estratégico e diplomático. Primeiro porque é precipitado e em segundo lugar porque provém da China. Joe Biden começou por não rejeitar mas no dia seguinte os EUA também ridicularizaram a iniciativa de Pequim e repetiram o erro de Bruxelas. A Rússia jamais aceitaria um moderador que tivesse apoiado a Ucrânia, mas Zelensky, ao contrário da UE e dos EUA, abriu a porta à moderação chinesa. Como poucos atualmente, o Presidente da Ucrânia sabe ler a política internacional e sabe sobretudo interpretar a opinião pública, nunca seria ele a rejeitar o interesse de uma potência como a China que se propunha a ajudar a construir a paz.

Pequim não é o Irão e muito menos a Bielorrússia, é um país crucial no xadrez internacional que tem sido dos mais moderados apoiantes, ou melhor, tolerantes a Putin. Ou seja, a ser um país próximo de Putin que fosse a China, terá pensado Zelensky.

Independentemente dos 12 pontos, genéricos e pouco comprometedores, o importante é iniciar e conduzir o processo de paz. Como nos ensina a história diplomática mundial, jamais o documento inicial coincide com a versão final após negociação das partes. Portanto, os 12 pontos não contam para a redação final, são indiferentes e devem ser vistos como instrumento, como uma alavanca para o processo de paz que leva as partes a iniciar negociações e em breve a declarar um cessar-fogo.

A proposta chinesa não é nem inocente nem desinteressada. Mas o erro de Bruxelas foi a forma como rejeitou e ridicularizou a iniciativa chinesa de forma quase infantil como se de uma discussão sobre futebol se tratasse.