O Tribunal de Contas cometeu a ousadia de cumprir a sua função e agir de acordo com lei e com as regras que os Governos e o Parlamento aprovaram. O problema é que no desempenho das suas funções, e entre trabalhos sobre instituições e autarquias, alguns relatórios do Tribunal acabaram por contrariar a narrativa oficial do Governo e em particular de António Costa. O seu trabalho tornou-se um tremendo incómodo para o Governo e para as narrativas propagandísticas que vendiam aos portugueses. Era crucial resolver o problema, decapitar o líder do Tribunal para servir de exemplo para os outros. Quem se mete com o PS já sabe que leva.
A verdade é como o azeite, mais cedo ou mais tarde acaba por vir ao de cima. É verdade que por vezes a ação do Tribunal pode parecer injusta ou até pouco flexível com as boas intenções dos decisores públicos e cometerá erros como todos os outros. Mas o Presidente do Tribunal de Contas cometeu o único erro que é imperdoável para o Governo socialista: cumprir a sua função e desempenhar um cargo com independência.
A saída de Vitor Caldeira do Tribunal de Contas é apenas mais um episódio de uma forma de estar do Governo de António Costa e que segue a “boa tradição” dos governos socialistas: quem se mete com o PS, leva. O primeiro exemplo veio com a não recondução da sempre independente PGR Joana Marques Vidal a quem os socialistas nunca perdoarão a ousadia que teve em permitir que o Ministério Público fizesse o seu trabalho, ao contrário do conivente Pinto Monteiro.
A única justificação aceitável para a não recondução de Vitor Caldeira é António Costa ter na manga um nome ainda melhor para apresentar, independente, com experiência e com a coragem necessária de manter a linha de rumo de um dos Tribunais que tem mais competências de fiscalização do Governo e dos restantes organismos públicos. Ou então, o nosso primeiro-ministro tem outros planos para o ex-presidente do Tribunal de Contas Europeu, que enquanto tal viu o seu mandato ser renovado três vezes, algo raro e que só comprova a sua qualidade e reconhecimento entre os pares europeus, e vai escolhê-lo para liderar uma qualquer entidade ou estrutura de missão que irá zelar pelo escrutínio das verbas que nos chegarão da União Europeia a propósito da “bazuca”. Aguardemos.
Espero estar enganado, mas a senhora Provedora da Justiça deverá ser a próxima vítima de António Costa e do Partido Socialista. E faz sentido, afinal Maria Lúcia Amaral tem sido uma notável Provedora, dinâmica, inteligente, corajosa e independente face aos poderes públicos. Não faz fretes e tem por isso todos os ingredientes para ser corrida.
Depois da vergonha que foi o processo de nomeação do representante português na Procuradoria Europeia, seguem-se os casos que revelam a tentativa de controlo do Governo sobre as instituições fiscalizadoras da sua ação. Vivemos claramente um novo período de tentativa de controlo do Estado por parte do Governo e dos amigos. António Costa está a conseguir fazer tudo aquilo com que José Sócrates apenas sonhou.
Enquanto andamos preocupados com os ataques ao Estado de Direito nos Estados Unidos ou na Hungria, continuamos a não dar a importância devida aos verdadeiros atentados à democracia que se passam no nosso país. Muitos não quiseram prestar atenção, mas ontem o Presidente Marcelo terá alertado também para isso, pois o problema não está apenas no Chega, está também naqueles que lhe dão razões para existir e que sob a capa de progressistas restringem a independência das instituições, tentam controlar a justiça e a comunicação social e mentem descaradamente na cara dos portugueses.
Não são os discursos, as agendas ou os planos anticorrupção que revelam a natureza de um governo, são sim as atitudes, os exemplos e os meios colocados à disposição das instituições para cumprirem a sua função com independência e competência.