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Uma nova 'bolha'?

Internet. Algumas start-ups tecnológicas parecem sobrevalorizadas.

Exclusivo Expresso / The Economist

Não sei bem aquilo a que mais gosto de dar um toque: a ti ou a estas bolhas, diz a estrela de reality show Kim Kardashian, agora também artista de bolas de sabão, numa nova aplicação para o Facebook.

A Cameo Stars, a empresa responsável por esta inovação, permite que os membros do Facebook mandem aos seus amigos na rede clips de celebridades menores, a articular de forma quase inaudível uma saudação genérica. Além de enriquecer a cultura mundial, esta empresa também poderá ganhar uma fortuna.

Alguns desmancha prazeres perguntam-se, porém, se a profusão de start-ups da Internet altamente valorizadas, com planos de atividades mais leves do que o ar, não serão uma prova da existência de um tipo diferente de 'bolha'.

Pela primeira vez desde 2000, os empresários com projetos Internet ou tecnológicos podem angariar capital-semente (seed capital) com pouco mais do que uma ideia parcialmente formada e uma dúzia de slides em PowerPoint. "Talvez exista uma bolha no número de start-ups", diz Alan Patricof, investidor em fundos de capital de risco, que, contudo, não está ainda convencido de que haja um entusiasmo irracional nas etapas mais avançadas de avaliação.

No entanto, não há dúvida de que, nesta última fase 'social' da revolução digital, as avaliações subiram, em especial no que se refere às principais empresas. A Groupon, uma empresa com dois anos de existência que oferece descontos de grupo a consumidores registados via Internet, terá alegadamente recusado uma oferta do Google, com um valor potencial de seis mil milhões de dólares, o que levou alguns analistas a interrogar-se sobre se os fundadores da Groupon teriam perdido os cupões dos seus títulos. Um leilão de ações do Facebook, realizado em dezembro no mercado secundário, tinha um preço mínimo de oferta 77% mais elevado do que o preço alegadamente pago numa transação semelhante, três meses antes. O Twitter está avaliado em 3,7 mil milhões de dólares, o que corresponde a uma valorização para quase o quádruplo, num ano. O número de transações com avaliações (pré-investimento) de pelo menos 100 milhões de dólares também está a aumentar, segundo o escritório de advogados Cooley.

Existem diferenças entre a situação atual e a 'bolha' dotcom de há uma década. Então, eram as ofertas públicas iniciais (IPO, na designação em inglês) que estavam sobrevalorizadas. Hoje, apesar de estar a ressurgir, o mercado das IPO é uma sombra do que já foi. Agora, a melhor maneira de os proprietários de uma start-up ganharem dinheiro é venderam a empresa a uma empresa maior, como a Cisco, o Google, o Facebook ou mesmo a Groupon. Estas empresas peritas em tecnologia deveriam ser menos crédulas do que os investidores das bolsas de valores de 1999. Mas os seus donos podem já ser tão ricos que se importam menos com o retorno do investimento do que com a ideia 'fixe' de serem donos da próxima grande novidade.

O aparecimento de um mercado secundário ativo de ações de start-ups que ainda não tinham aberto o seu capital permitiu que os fundadores e investidores iniciais de empresas como o Facebook e o Twitter fizessem fortunas sem terem de esperar por uma saída tradicional através de IPO ou de aquisições. Os preços desse mercado secundário alimentaram os exageros sobre quanto poderiam valer estas empresas, se fossem cotadas na bolsa de valores. Não há muitas ações disponíveis e há muitos apostadores à procura delas. Tais apostadores são, em geral, observadores externos, como gestores de fundos e empresas de investimento em participações privadas, que podem não compreender o sector das tecnologias tão bem como os iniciados.

Também não se deve esquecer o crescimento do investimento dos business angel, por parte de indivíduos ricos e de pequenos fundos que fornecem capital semente a start-ups demasiado pequenas para suscitarem o interesse de uma empresa de capital de risco. Estes 'anjos' fazem pequenos investimentos (por exemplo, 100 mil dólares de cada vez), segundo uma estratégia que aqueles que dela discordam designam por spray and pray (dispara e reza). Isto poderá sem dúvida ter dado origem a uma 'bolha' de start-ups. O conhecido business angel Chris Sacca terá alegadamente deixado de investir, argumentando que as avaliações estão inflacionadas.

Outros investidores dizem que isso é um disparate alarmista. "Por cada empresa que é financiada com base numa avaliação mais elevada do que o normal, há cem que obtêm financiamento com base numa avaliação normal", declara o também muito conhecido super angel Ron Conway, que investiu em muitas start-ups bem posicionadas. Além disso, há muitas empresas jovens que podem explorar o florescente mercado publicitário na rede, o que não passava de um sonho quando o boom das dotcom desabou.

"Os empresários de hoje também têm um conhecimento mais profundo dos sectores que estão a tentar transformar", diz Nick Beim, da sociedade de capital de risco Matrix Partners. Entre eles há agora menos engenheiros e mais "gente ambiciosa, sem conhecimentos tecnológicos, mas com uma ideia de negócio" para mudar sectores como os media, a publicidade, os serviços financeiros ou a moda. Esses sectores estão concentrados em Nova Iorque e é por isso que o novo boom ocorre tanto em Silicon Alley, em Manhattan, como em Silicon Valley, na Califórnia.

Nick Beim considera que esta especialização vai implicar a que as start-ups do 'comércio social', para as quais há desde o início um modelo claro de receitas, tenham mais possibilidades de sucesso do que as dos media sociais, em relação às quais ninguém sabe de onde virão os lucros, mesmo quando há milhões a utilizar o serviço (por exemplo, o Twitter). Três das principais empresas de 'comércio social', Groupon, Gilt Groupe (empresa de produtos de luxo na qual a Matrix investiu) e Zynga (que produz jogos sociais) estão a aumentar as receitas mais rapidamente do que jamais aconteceu com quaisquer outras start-ups, diz Beim. É por isso que, desta vez, pode ser diferente - mas claro que isso é o que se diz a respeito de todas as bolhas.

Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 30 de dezembro de 2010