De helicóptero, a costa do Rio de Janeiro fica a 290 km ou 70 minutos de distância. Lá no alto, brilha a chama do gás; lá em baixo, há petróleo suficiente para encher 330.000 barris, à espera de ser extraído.
O leito do oceano situa-se a 2150 metros de profundidade. Depois de se perfurar mais de 3 mil metros de rocha, chega-se a uma camada de sal com 2140 metros de espessura. Para atingir o petróleo, é preciso atravessar primeiro esse leito fossilizado do oceano - 6,5 mil milhões de barris só no campo "Lula" (alegadamente, assim batizado em homenagem ao cefalópode e não ao antigo Presidente, conhecido como Lula por causa do seu cabelo encaracolado).
Este é o "Cidade de Angra dos Reis", um navio-cisterna adaptado para a extração e armazenamento de petróleo, ancorado ao leito do oceano por 24 pilares. Presentemente, extrai 14.000 barris de petróleo por dia (b/d) mas, depois de o seu gasoduto ser ligado, em março, esse número aumentará para os 100.000 b/d. Estima-se que os campos situados na camada de pré-sal que o Brasil está a explorar contenham mais de 13 mil milhões de barris de petróleo. Até 2020, a empresa petrolífera nacional Petrobras, controlada pelo Estado, extrairá 4 milhões b/d, o dobro da quantidade atual... se tudo correr bem.
Trata-se de um grande 'se'. Estes depósitos ultraprofundos têm de ser perfurados a uma pressão três vezes superior à normal no petróleo offshore. Muitas vezes, o sal desloca-se e bloqueia a perfuração. Algumas das substâncias químicas contidas no petróleo são altamente corrosivas. E os campos distantes são de difícil acesso, tanto para as pessoas como para os oleodutos.
Os obstáculos políticos à exploração dos campos são quase tão desencorajadores como os geológicos. A insistência do Governo em que a Petrobras seja o único operador das reservas sub-sal, detenha uma quota de mais de 30% em qualquer consórcio e adquira a maior parte dos bens e serviços no interior do Brasil deu origem a previsões de custos inflacionados e atrasos desnecessários. E, no ano passado, uma operação de recapitalização excessivamente complicada, que envolveu um swap de ações por petróleo com o Governo, enfraqueceu as quotas dos acionistas minoritários e fez surgir o fantasma da interferência do Estado na administração da empresa.
Fornecedores de todo o mundo
Contudo, agora que o petróleo jorra, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, está exuberante. "Dispomos de toda a tecnologia de que precisamos, desde a superfície até ao petróleo", afirma. O que não se sabe, acrescenta, é em que medida a exploração plena irá afetar as jazidas e qual a mistura de gases e água que será necessário injetar para manter os níveis de produção. Mas isso acontece em todos os novos campos de petróleo.
Gabrielli também refuta as críticas relativas à aquisição local de bens e serviços. Argumenta que as reservas são tão importantes e que a Petrobras é responsável por uma quota tão grande da produção mundial de petróleo em águas profundas (22%) que os fornecedores de todo o mundo irão instalar-se no Brasil, para vender os seus produtos. A Petrobras vai, por exemplo, comprar 45 novas plataformas flutuantes semelhantes à "Angra dos Reis", que custam entre 4 e 5 mil milhões de dólares (aproximadamente 2,9 e 3,6 mil milhões de euros) cada. Atualmente, à escala mundial, só existem 75 plataformas idênticas.
Ainda que a Petrobras seja bem sucedida no teste que o petróleo pré-sal representa, o mesmo poderá não acontecer com o Brasil em geral. O Governo tenciona aplicar a sua parte das receitas num fundo soberano, para evitar valorizações indesejadas da moeda. Em devido tempo, o dinheiro será gasto em proveito das futuras gerações. Mas muitos políticos locais já se referem ao petróleo como o pote de ouro no fundo do oceano - uma vasta riqueza, que poderá resolver todos os problemas do Brasil e que eles poderão gastar a seu bel-prazer. Uma vez que o dinheiro proveniente dos impostos é já bastante e costuma ser desperdiçado, não há razão para se pensar que os políticos gastariam as receitas do petróleo de uma maneira mais eficaz.
O fundo poderá acabar por se tornar uma tentação para políticos habituados a andar à caça de dinheiro para comprar votos. O Brasil ocupa o 69.º lugar na classificação anual de corrupção da Transparência Internacional, que analisa 178 países.
Diversificar a economia brasileira
Mais prometedora é a perspetiva de o progresso tecnológico, conduzido pela Petrobras, vir a diversificar a economia brasileira. A empresa tem mais de 1600 pessoas a trabalhar em investigação e desenvolvimento, diz o responsável por essa área, Carlos Fraga. A Petrobras também coopera com 85 universidades e institutos de investigação e, por cada um dos investigadores que emprega diretamente, há dez outros exteriores à empresa a trabalhar a tempo inteiro nos seus projetos. Em torno dos laboratórios de investigação da Petrobras no Rio de Janeiro está a formar-se um polo tecnológico, que engloba instalações universitárias e novos laboratórios no valor de 50 milhões de dólares, construídos por empresas como a General Electric e a Schlumberger.
Nessa perspetiva, os obstáculos técnicos da exploração pré-sal parecem representar uma oportunidade. Explorar o petróleo offshore, diz Fraga, pode impulsionar a inovação brasileira, tal como a corrida espacial impulsionou a inovação nos Estados Unidos. "Extrair petróleo não basta para fazer avançar o desenvolvimento tecnológico do Brasil", diz Segen Estefan, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Esses são recursos finitos. O Brasil deve aproveitar o momento para assumir a liderança na área da tecnologia, não se limitando à extração e exportação de matérias-primas".
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Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 12 de fevereiro de 2011