ARQUIVO The Economist

Um grande fardo para Zapatero

Crise do euro. O primeiro-ministro espanhol converteu-se relutantemente às reformas - mas talvez demasiado pouco e demasiado tarde.

Expresso / The Economist

A estação de Pitis, do metro de Madrid, situa-se num deserto urbano: um monumento resplandecente ao colapso do sector da habitação em Espanha. Nunca ninguém se decidiu a construir os blocos de apartamentos que a estação deveria servir. Os arruamentos, os pavimentos e a iluminação pública foram concluídos... mas, depois, a bolha do imobiliário explodiu. Num país onde há 700.000 habitações novas por vender, o valor dos terrenos para construção caiu a pique.

A estação vazia de Pitis retrata a tristeza da Espanha. E é também uma prova de que o primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, fez mal em atribuir as culpas pela entrada do país em recessão e pela taxa de desemprego de 20% apenas à crise mundial do crédito, gerada do outro lado do Atlântico. A Espanha esteve na origem de muitos dos seus próprios problemas - os empréstimos tóxicos sobre terrenos para construção foram apenas o começo. Estas fragilidades foram cruamente expostas pela crise do euro.

Será que Zapatero viu a luz? A avaliar pelas suas declarações mais recentes parece que sim. O primeiro-ministro proclama um recém-descoberto ímpeto reformador. "Nos tempos que correm, há uma coisa ainda pior do que a ausência de amplos consensos para planear e aplicar as reformas: a ausência de reformas", afirmou, em começos deste mês. Zapatero promete a reforma das pensões até 28 de janeiro e da negociação coletiva até 18 de março. Foram estabelecidas novas regras de transparência para os bancos, para tornar clara a exposição ao crédito malparado, garantido por terrenos para construção ou imobiliário não vendido. Também há novas regras para os governos regionais, que, em Espanha, são responsáveis por uma quota maior da despesa pública do que noutros países, e aos quais é agora pedido que controlem os respetivos défices. Os sindicatos, o patronato e o Governo deram início a uma série frenética de conversações, na tentativa de chegar a um acordo sobre novas reformas em matéria de negociação coletiva.

Alguns analistas otimistas acreditam que a Espanha, que registou algum crescimento (ainda que muito baixo) em 2010, está finalmente a ultrapassar o ponto crítico.

A renovada confiança e disposição de Zapatero para adotar reformas têm várias causas. O acordo com o Partido Nacionalista Basco (PNV) significa que o seu Governo minoritário deverá sobreviver até às eleições, previstas para começos de 2012. Depois da promoção do ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcaba, em outubro, passou a contar com um vice-primeiro-ministro competente, popular e hiperativo. Zapatero poderá optar por não se recandidatar a primeiro-ministro e, por isso, pouco tem já a perder. Rubalcaba apresenta-se, cada vez mais, como um sucessor óbvio na liderança do Partido Socialista espanhol.

No entanto, o caminho da Espanha para a retoma continua semeado de perigos. A queda dos preços da habitação (de apenas 13,1% em relação ao pico) vai sem dúvida continuar. A explosão da bolha pôs a nu mais do que o vício da Espanha em matéria de construção, que, no seu auge, era responsável por 13% dos postos de trabalho. Segundo um estudo da empresa de consultoria FEDEA-McKinsey, nos dez anos anteriores a 2009 a competitividade de Espanha deteriorou-se 33% em relação à da Alemanha.

O facto de a Espanha pertencer à zona euro impede que essa perda seja corrigida através de uma desvalorização. A conversão de Zapatero às reformas poderá ser genuína mas veio demasiado tarde e pode não ir suficientemente longe. Não é claro, por exemplo, se o primeiro-ministro aceita a argumentação a favor de reduções salariais.

A necessidade de reforma e de austeridade é premente. Numa altura em que Portugal se encontra à beira do salvamento, a Espanha oscila ansiosamente. Há pouco tempo, teve de pagar uns excessivos 5,5% sobre a emissão sindicada de títulos, no montante de ¤6 mil milhões. Os parceiros da zona euro estão à procura de soluções mais abrangentes para a crise da dívida soberana, na qual (devido à sua dimensão) a Espanha representa de longe o maior risco.

O Governo de Zapatero quer que os membros da zona euro façam mais (por exemplo, aprovando a emissão de euro obrigações) mas, para já, os espanhóis têm de olhar por si próprios.

A ministra das Finanças, Elena Salgado, conseguiu reduzir o défice orçamental de 11,1% do PIB, em 2009, para menos de 9,3%, em 2010, e pretende fazê-lo descer para 6% este ano. A dívida nacional de Espanha é inferior à média da zona euro e menor do que a dos Estados Unidos e do Reino Unido. Contudo, além das preocupações relativas ao crédito malparado oculto, detido pelas caixas económicas, os investidores consideram a ausência de crescimento como o principal problema. Entretanto, existe uma possível armadilha: para recuperar um crescimento significativo, a Espanha precisa de maiores reformas mas a austeridade também prejudicará o crescimento.

Pelo menos, a alteração do sistema de pensões parece segura. O prazo fixado por Zapatero teve por efeito uma concentração de esforços. Com algumas exceções, a idade da reforma aumentará dos 65 para os 67 anos mas essa alteração não basta. Zapatero estabeleceu a data de 18 de março para que sindicatos e patronato cheguem a acordo sobre as alterações ao sistema inflexível e pesado da negociação coletiva, que esteve na origem de aumentos salariais superiores à inflação em 2009, embora o nível atual seja bastante inferior à inflação. O Governo deverá também completar a modesta reforma laboral de junho passado, definindo a forma como as empresas que registam prejuízos podem despedir trabalhadores. Existem indícios preocupantes de que, quando os pormenores forem afinados, os termos de tais ações possam tornar-se mais rígidos do que se esperava.

No entanto, os sindicatos estão assustados. Em junho, Zapatero mostrou que podia atuar sem eles. Em setembro, resistiu a uma greve geral morna. Agora, os sindicatos e o Governo querem um grandioso pacto, que inclua patronato e partidos da oposição, para apoiar as reformas. O patronato mostrou disponibilidade. Os sindicatos ainda têm esperança de limar as arestas. "O meu medo é que, com o pacto, ele traia esta reforma", diz Luis Garicano, da London School of Economics.

Anteriormente, o Governo foi lento em matéria de reformas. A chamada lei da economia sustentável, anunciada por Zapatero em maio de 2009, ainda não passou no Parlamento. Em janeiro passado, Zapatero falou pela primeira vez na reforma aos 67 anos. Mas, agora, parece mais determinado. Se for capaz de congregar sindicatos e patrões, as reformas serão mais fáceis. A Alemanha, que conseguiu manter o emprego quando a sua economia registou uma contração em 2009 e que, no ano passado, teve um crescimento de 3,6%, é considerada como um exemplo a seguir. Naquele país os aumentos salariais foram os mais baixos da União Europeia, ao longo da última década. A visita da chanceler Angela Merkel, em fevereiro, será aproveitada para passar essa mensagem.

Zapatero está também a tentar salvar o seu partido, ao qual as sondagens atribuem uma desvantagem de 15 pontos em relação ao Partido Popular (PP, conservador) e que se espera venha a ter fracos resultados nas eleições locais de maio. Reformas céleres dariam aos socialistas tempo para recuperar até 2012. "Os tempos de perder tempo acabaram", diz o líder do PP, Mariano Rajoy. Irá Rajoy subscrever um pacto nacional? Até agora, tem optado por deixar o Governo sofrer sozinho a impopularidade resultante das reformas. Mas Zapatero não precisa de esperar por ele - nem pelos sindicatos. Tem agora uma oportunidade de ouro para agir com ousadia.

(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Fábrica do Texto para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 29 de janeiro de 2011