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Previsões exageradas?

Pressão. Os preços no consumidor estão a subir, mas as preocupações dos bancos centrais são excessivas.

Exclusivo Expresso / The Economist

Onde quer que esteja a ler este artigo, é provável que a inflação seja notícia. Em todo o mundo, os preços elevados das matérias-primas estão a fazer subir os preços no consumidor. A pressão é mais clara nos mercados emergentes em crescimento rápido, nos quais as pessoas gastam uma grande parte dos seus rendimentos na alimentação. A taxa de inflação da China oscila à volta dos 5%, a do Brasil aproxima-se dos 6% e a da Índia mantém-se perto dos 10%. Mesmo nas economias ricas enfraquecidas, a palavra começada por 'i' voltou às primeiras páginas. No Reino Unido, os preços no consumidor aumentaram 3,7% no ano passado. Na zona euro, os preços aumentaram 2,4% no mesmo período, acima da meta de 2% fixada pelo Banco Central Europeu (BCE).

A grande preocupação é que as condições monetárias a nível mundial sejam demasiado instáveis, devido ao facto de as taxas de juro terem atingido os seus níveis mínimos e, por outro lado, aos balanços financeiros inflacionados dos bancos centrais dos países ricos e à incapacidade - ou relutância - das economias emergentes em tornarem mais restritivas as suas políticas. Esta combinação indica que, se não forem tomadas medidas, a inflação poderá ficar descontrolada. As preocupações atuais manifestam-se de formas diferentes, consoante os locais. Nos mercados emergentes, os políticos temem a eclosão de conflitos sociais e os tecnocratas receiam o sobreaquecimento da economia. O medo da inflação também está a aumentar entre alguns responsáveis dos bancos centrais das economias ricas, para as quais, até há pouco tempo, a deflação parecia representar o maior risco. No mês passado, dois membros do comité de política do Banco de Inglaterra votaram a favor de um aumento imediato das taxas de juro. Um alto funcionário do BCE diz que os aumentos da inflação importada na Europa "não podem ser ignorados".

No entanto, os governadores dos bancos centrais não deveriam ficar alarmados, nem pela escala, nem pela dinâmica da inflação global. A inflação está a aumentar mas não se pode dizer que seja alta. Em nenhuma das grandes economias - emergentes ou desenvolvidas - atinge os máximos que registou em 2008 (nos Estados Unidos, é de apenas 1,5%). Boa parte da sua subida recente é induzida por fatores claramente pontuais, desde as más colheitas na Rússia, que fizeram subir os preços dos cereais, ao aumento do imposto sobre o valor acrescentado no Reino Unido. Os governadores dos bancos centrais deviam ignorar estes choques temporários. O seu papel é impedir que surtos pontuais se traduzam numa pressão mais elevada e continuada sobre os preços.

Até agora, há poucos indícios de que isso esteja a acontecer. No ano passado, o núcleo central dos preços no consumidor, que não inclui a alimentação e os combustíveis, aumentou em apenas 0,8%. Na zona euro, a inflação subjacente estabilizou recentemente em 1,1%. Mesmo nas economias emergentes florescentes, o cabaz de preços no consumidor está a aumentar muito mais lentamente do que em 2008.

Ao longo do tempo, a pressão temporária sobre os preços pode enraizar-se, através das expectativas dos consumidores em matéria de inflação futura ou da exigência de salários mais elevados por parte dos trabalhadores. Mas, não parece provável que isso venha a acontecer. Na maioria dos países ricos, as previsões em matéria de inflação passaram apenas de muito baixas para baixas e o desemprego elevado leva os trabalhadores a não exigirem aumentos salariais. Sem salários mais altos para compensar, as subidas dos preços da alimentação e dos combustíveis irão fazer diminuir os gastos de consumo - o que, por seu turno, indica uma futura inflação mais baixa e não mais alta. Isto é especialmente verdade em países como o Reino Unido, onde a rigorosa austeridade orçamental deverá travar o consumo.

A Alemanha poderá ser uma exceção. Com a sua economia efervescente e o desemprego a diminuir, os salários alemães poderão começar a acelerar. Ao contrário dos seus pares anglo-saxónicos, os trabalhadores alemães poderão recuperar em seu favor o recente aumento dos preços da alimentação e dos combustíveis. E isso será positivo e não negativo. Os salários alemães estiveram sujeitos a restrições durante uma década; um aumento mais rápido dos salários incentivaria a procura interna e ajudaria a redirecionar a economia da Alemanha. E uma inflação ligeiramente mais elevada na Alemanha facilitaria a vida das economias periféricas endividadas da zona euro, porque os cortes nos salários e nos preços necessários para as tornar competitivas seriam menores. Por estas duas razões, o BCE não devia tomar medidas severas contra a inflação.

As ferramentas a utilizar

A situação não é exatamente a mesma nas economias emergentes. A maioria destas avança a grande velocidade, em condições monetárias bastante mais instáveis do que em 2008, que representam um risco real de gerar inflação persistente. Mas, mesmo aqui, os perigos podem ser exagerados. A subida dos preços e dos salários na China, por exemplo, deverá ajudar a reorientar a economia do país para o consumo nacional - na prática, o equivalente de uma moeda mais forte. As baixas taxas de juro das economias ricas complicam mais a vida dos decisores políticos das economias emergentes: se os decisores políticos dos mercados emergentes aumentarem as taxas, os seus países atrairão mais capital estrangeiro, o que alimentará a inflação. Podem tentar evitar que isso aconteça, através do controlo sobre o capital estrangeiro mas, em muitos casos, esse controlo não é eficaz. É muito melhor travar o consumo - e portanto a inflação - através de uma política orçamental mais severa. Na Índia e no Brasil, a principal ferramenta de combate à inflação deveria ser um défice orçamental menor.

Tudo isto indica que não há qualquer vantagem em perder a cabeça. A inflação é sempre motivo para preocupações mas, neste momento, não é motivo para pânico.

 

(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Fábrica do Texto para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 12 de fevereiro de 2011