Faz esta semana 25 anos, os ministros das Finanças dos Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França e Alemanha Ocidental reuniram-se num hotel chiquíssimo de Nova Iorque e acordaram em reduzir o valor do dólar. O 'Acordo Plaza' estabelecia um conjunto de políticas coordenadas. Como previsto, o dólar desvalorizou mais de 50% em relação ao marco alemão e ao iene até 1987. Este acordo ainda hoje é visto como um marco da cooperação monetária internacional. O apelo a uma intervenção está de novo a fazer-se ouvir, mas, desta vez, a tendência é unilateral, não coordenada e num sentido único.
Na reunião de 21 de setembro, a Reserva Federal manifestou claramente a sua preocupação acerca do nível desconfortavelmente baixo da inflação e deixou claro que estava preparada para tomar medidas adicionais para ajudar a débil recuperação. A perspetiva de uma política monetária ainda mais flexível provocou uma súbita queda do dólar, que desceu para o seu nível mais baixo desde março, ponderado com base nas trocas comerciais.
Um dólar mais fraco significa moedas mais fortes noutros países: em 22 de setembro, o euro atingiu o nível máximo contra o dólar em cinco meses. Um número crescente de países está decidido a evitar a subida das suas moedas. Em 15 de setembro, na sua primeira incursão nos mercados cambiais em seis anos, o Japão vendeu cerca de 2 triliões de ienes , para travar uma subida do iene, cuja taxa nominal contra o dólar tinha atingido o nível mais alto desde 1995. E não foi o único país desenvolvido a fixar a sua taxa de câmbio: nos 15 meses anteriores a junho, a Suíça quadruplicou as suas reservas em divisas para 219 mil milhões de dólares , na tentativa de impedir que o franco subisse depressa de mais.
Os intervenientes mais ativos, contudo, são os países emergentes. A China é o caso limite: constituiu reservas no montante de 2,45 biliões de dólares graças à sua determinação de manter o yuan estável contra o dólar. Outros têm moedas menos rígidas mas, ainda assim, intervieram para travar aquilo que consideram ser uma pressão em alta excessiva. Entre 13 e 16 de setembro, o banco central do Brasil comprou dólares ao ritmo de mil milhões por dia.
À medida que a recuperação abranda, cada vez mais pessoas se mostram preocupadas com a possibilidade de uma queda para a depreciação competitiva, ao verem que alguns países tentam agarrar uma quota maior da procura global a expensas dos outros - uma tendência que poderá fazer aumentar o protecionismo. Em contrapartida, os otimistas defendem que é possível que a atual mania de manipulação da moeda venha a produzir benefícios. Um dos argumentos é que a intervenção pode ser uma via alternativa para a reflação. Se todos os bancos centrais emitirem moeda para evitar a valorização das respetivas divisas e não limparem ou 'esterilizarem' essa liquidez através da emissão de obrigações, as suas taxas de câmbio poderão acabar por se manter, mas, entretanto, o mundo terá passado por um boom monetário.
A verdade situa-se entre estas duas alternativas. Embora a maioria dos governos mais interventivos tenha o mesmo objetivo - impedir o aumento do valor das respetivas moedas nacionais -, a situação e as motivações de cada um são muito variáveis. A contínua determinação da China em fixar o yuan é a menos defensável e a que gera mais distorções. Infelizmente, a China é também o interventor mundial mais eficaz. Graças a um regime fechado de balança de capitais (ainda que comecem a surgir falhas) e ao controlo governamental sobre os bancos nacionais, a China tem conseguido comprar grandes quantidades de dólares sem fazer disparar a inflação. O banco central emite títulos para absorver a liquidez gerada pela compra de reservas, que os bancos subservientes mantêm a taxas reduzidas.
Contudo, para a maior parte das economias emergentes, a intervenção prende-se mais com conseguir enfrentar os fluxos voláteis de capital. Em parte graças às taxas de juro baixíssimas do mundo desenvolvido, o capital estrangeiro está a regressar em força às economias emergentes. Ao intervirem, os bancos centrais dos mercados emergentes travam o ritmo a que as suas divisas se valorizam - mas pagam o preço correspondente. Nos países com sistemas bancários mais livres do que a China, a esterilização está a tornar-se cada vez mais cara, à medida que são compradas maiores reservas. Porém, se a intervenção não for esterilizada, o aumento de liquidez fará disparar a inflação.
No mundo desenvolvido, onde a procura é fraca e a deflação representa um risco, o cálculo é diferente. As intervenções não esterilizadas são vistas como uma via para suster a força excessiva da moeda e para combater a deflação (o motivo primordial da intervenção suíça). No caso do Japão, o argumento principal não é convincente. Graças à deflação japonesa, o iene está, em termos reais, abaixo do seu valor médio desde 1990 (ver gráfico). O segundo argumento tem algum mérito, desde que o Banco do Japão consiga de facto resistir ao impulso de absorver a liquidez. Mas poderá, por outros meios, gerar a mesma reflação, sem os riscos políticos de uma intervenção unilateral.
Esses riscos políticos são a melhor razão para a resistência a tomar uma posição unilateral. Por um lado, há o perigo de uma reação protecionista. Por outro, o unilateralismo torna muito mais difícil provocar uma nova ação da China, o país cuja moeda mais distorce a economia mundial. O mundo desenvolvido precisa da reflação mas a economia mundial também precisa de reequilíbrio, o que requer um dólar mais fraco. No 'Acordo Plaza', os ministros das Finanças reconheceram essa realidade. É tempo de os seus sucessores do G-20 lhes seguirem o exemplo.
Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 2 de outubro de 2010