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Preparem-se que vai doer

A revista " The Economist" apresenta uma estimativa do fardo que os quatro membros mais problemáticos do clube do euro, Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, vão ter de enfrentar.

Exclusivo Expresso / The Economist

A estratégia da zona euro para atacar a sua crise da dívida soberana está a falhar. Em maio estabeleceu-se um plano para auxiliar os países que de outra forma não conseguem empréstimos a taxas de juro toleráveis. Este plano reduziu o risco de um dos países poder falhar o pagamento por falta de fundos a curto prazo, mas não acabou com ele. No entanto, os nervos dos mercados de obrigações ficaram novamente em franja com a possibilidade do estabelecimento de um mecanismo permanente de resgate (bailout) a partir de 2013 facilitar a reestruturação das dívidas de um país insolvente. Mais preocupante ainda para os investidores privados é o facto de este mecanismo parecer predisposto a dar preferência aos credores oficiais.

Em resultado, os resgates (bailouts) estão a fazer com que os investidores privados fiquem menos dispostos a manter as obrigações de um país com problemas. À medida que as dívidas antigas se vão refinanciando e os défices novos se financiam com o fundo europeu de estabilização e com o FMI, a quantidade de dívidas nacionais detidas por fontes oficiais irá subir progressivamente. Isto irá criar um grupo cada vez menor de investidores privados que irão arcar com as perdas se as dívidas forem reestruturadas. E quanto menor for este grupo, maior serão as perdas que cada investidor terá que suportar. A compra de obrigações pelo Banco Central Europeu (BCE) com o objetivo de estabilizar os mercados veio reduzir ainda mais os títulos em mãos privadas.

Urgência em reduzir a dívida

Esta dinâmica perversa requer que a reestruturação das dívidas dos países insolventes seja efetuada o mais cedo possível. Mas quando é que o fardo da dívida se torna demasiado pesado? Um dos primeiros indicadores para se aferir este cálculo é o rácio entre a dívida pública bruta e o produto interno bruto (PIB). A maioria das economias ricas, incluindo as que têm maiores problemas na zona euro, tem grandes défices orçamentais e irá continuar a aumentar as suas dívidas. A taxa de hoje não é assim tão importante. O que importa é o peso que o fardo da dívida irá ter quando ela estabilizar.

A tabela abaixo mostra as estimativas do "The Economist" sobre o fardo provável para os quatro países mais afetados na zona euro. Para mantermos as nossas projeções de uma forma simples e objetiva, estabelecemos pressupostos idênticos (e assim necessariamente estilizados) para a taxa de crescimento e a taxa de juro para todos os países. Como os quatro países têm uma fraca competitividade, a recuperação do PIB real perante a austeridade fiscal vai certamente determinar uma queda nos salários e nos preços. Por esta razão, partimos do pressuposto que o PIB nominal vai cair antes de recuperar até ao seu nível de 2010. A taxa de juro da dívida nova foi fixada a 5,25%, ligeiramente inferior à que a Irlanda terá que pagar sobre os seus fundos de salvamento junto da União Europeia e do FMI.

Presumimos que são necessários cinco anos de aumento de impostos e de cortes na despesa até que cada um destes países alcance um excedente orçamental primário (ou seja, excluindo o pagamento de juros) suficiente para estabilizar o rácio entre a dívida e o PIB. A austeridade necessária varia: a Irlanda já sofreu bastante mas ainda tem que sofrer muito mais.

Para evitarmos acusações de falso rigor, arredondámos por baixo a nossa estimativa do fardo estável da dívida para os cinco pontos percentuais mais aproximados. Nesta base, a Grécia vai acabar com um rácio dívida-PIB de 165% em 2015. O fardo projetado para a Irlanda é de 125%, o de Portugal é de 100% e o da Espanha é de 85%. Somente o Japão tem um fardo maior do que o da Grécia, mas o seu Governo pode apoiar-se num valor grande de ativos líquidos e em aforradores domésticos ricos que detêm quase toda a dívida pública. Mesmo com taxas de juro subsidiadas, calculamos que a Grécia teria que pagar 8-9% do seu PIB em juros em 2015, principalmente a estrangeiros. Para um pequeno país com uma economia periclitante isto é intolerável: a Grécia parece estar falida.

Mas a Espanha provavelmente fica solvente. A nossa estimativa para o seu fardo potencial da dívida é semelhante ao fardo das 'seguras' França e Alemanha. No pior dos cenários, em que o Governo tivesse que cobrir perdas enormes dos bancos nacionais iria deixar o seu fardo da dívida perto, mas não acima dos limites do que a Espanha consegue sustentar às taxas de juro atuais.

Irlanda e Portugal

A Irlanda e Portugal são casos menos claros. Um rácio da dívida pública de três dígitos pode ser tolerável a taxas de juro de 4% ou perto deste nível, mas seria demasiado pesado às taxas obrigacionistas atuais. Dois outros países da zona euro, a Bélgica e a Itália, têm já uma dívida pública de 100% do PIB ou mais e não sofrem (ainda) taxas de juro da dívida dolorosamente altas. Mas ambos estão muito próximos de não ter défice primário e dependem muito menos de capital estrangeiro do que a Grécia, a Irlanda ou Portugal. A economia da Bélgica é pequena mas estreitamente alinhada com o núcleo forte da Europa. Tal como o Japão, a Itália beneficia com a escala. O seu grande mercado de obrigações atrai investidores que preferem liquidez e as suas receitas públicas estão apoiadas por uma economia grande e diversificada.

O fardo da dívida pode vir a revelar-se mais pesado. O Governo da Irlanda está a usar os seus ativos líquidos para injetar capital nos bancos. Mas se as perdas no mercado imobiliário forem piores do que o esperado, podem vir a adicionar um valor até 10% do PIB à nossa estimativa para a dívida.

Portugal afirma que os seus bancos são seguros. Contudo, a combinação de influxos de capital e de baixa produtividade apontam para investimentos ineficientes e para um problema subjacente de crédito duvidoso.

E a situação da Grécia

A Grécia é o melhor exemplo da razão pela qual é preferível reduzir atempadamente dívidas intoleráveis. Geralmente os investidores assumem perdas de um terço a metade do valor das obrigações quando as dívidas são reestruturadas. A Grécia precisaria de cortar as suas dívidas para metade, por forma a reduzir o peso da dívida para uns toleráveis 80% do PIB, ou um valor aproximado. Se este processo se estendesse até final de 2013 a dívida grega seria reduzida em ¤185 mil milhões, segundo os nossos cálculos. Se os credores oficiais forem pagos na totalidade, os investidores privados ficam sem nada. Segundo a Bloomberg, somente ¤183 mil milhões de obrigações gregas emitidas antes do salvamento iriam perdurar depois de 2013. (Isto é pouco provável. Em reestruturações bilaterais anteriores os credores oficiais, exceto o FMI, também sofreram um golpe. Mesmo assim, quanto maior for o atraso mais os investidores privados irão perder.)

Um incumprimento (default) por parte da Grécia seria o primeiro num país rico desde 1948. Seria chocante mas exequível. As reestruturações feitas por diversos países pobres, do Uruguai ao Belize, estabeleceram um precedente legal para o procedimento que as deve gerir. Dois fatores podem torná-la mais fácil. Primeiro, o grosso das dívidas da Europa 'periférica' é emitido de acordo com a lei local, que, dizem alguns advogados, pode ser alterada retroativamente adicionando cláusulas que obriguem os credores a um compromisso acordado por uma grande maioria. Segundo, o BCE pode induzir os bancos comerciais a procurarem um acordo rápido (swift), recusando aceitar obrigações 'antigas' como garantia. Os advogados pensam que uma reestruturação grega poderia estar completada dentro de seis meses. Eventualmente terá que ser feita. Seria melhor que não se atrasasse mais.

(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Ana Leão para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

 

Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011