Com uma economia rígida e esclerótica, cujos habitantes são avessos ao trabalho e subsidiodependentes, e cuja base industrial é antiquada e decadente - as rodas dentadas e as alavancas avariadas que condenam o mundo a um futuro obscuro. À semelhança da maior parte dos clichés, também este tem um fundo de verdade. No entanto, conforme demonstra o nosso special report da edição desta semana, as façanhas da Alemanha, a maior economia da Europa, contam uma história bem diferente.
Há uma década, a Alemanha era o doente da Europa, infestada por um crescimento lento e um desemprego elevado, e afectada pela deslocação dos grandes fabricantes numa busca desesperada de custos mais baixos. Actualmente, apesar da recessão, a taxa de desemprego é mais baixa do que a registada há cinco anos. Embora a Alemanha tenha recentemente cedido o seu lugar de maior exportador a nível mundial para a China, a sua perícia exportadora não foi ofuscada. Em termos de quota do PIB, o excedente da sua balança corrente este ano será superior ao da China.
O antigo e o novo
Este feito desmente a imagem, comum na América e na Ásia, da Europa como um continente desgastado, incapaz de mudar. E, para o resto da Europa, é uma grande vantagem ter uma economia forte no centro geográfico e político do continente. Não obstante e paradoxalmente, o êxito da Alemanha também está a causar problemas aos seus vizinhos - problemas que tanto eles como a Alemanha devem abordar.
A impressionante flexibilidade da Alemanha é resultado da combinação de velhas e novas virtudes. O antigo sistema de gestão baseado no desenvolvimento de um consenso ajudava as entidades patronais a manter os sindicatos à margem quando era necessário manter os custos baixos. As famosas Mittelstand (pequenas e médias empresas, muitas vezes familiares) levavam a cabo as suas operações, passo a passo, decidindo o que fazer na Alemanha, o que enviar para o estrangeiro e que serviços externalizar.
Em simultâneo, a política económica assumiu uma direcção nova e liberalizadora. O governo de Schroeder introduziu reformas nos sistemas do mercado do trabalho e da segurança social em 2003-2004; estimulado por essas reformas e pelas pressões competitivas da moeda única europeia, os agentes económicos alemães mantiveram os salários reais sem alteração, sem dó nem piedade. Os custos salariais por unidade produzida desceram na Alemanha uma média anual de 1,4% em 2000-2008, contra uma redução de 0,7% nos Estados Unidos e aumentos de 0,8% e 0,9% em França e no Reino Unido, respectivamente. Embora a recessão do ano passado tenha atingido a Alemanha com força, a sua economia está em muito melhor estado actualmente do que se encontrava há uma década - um facto que deve ser registado em França, onde o Presidente Nicolas Sarkozy está empenhado em injuriar a externalização, e na Europa meridional, que faz todos os possíveis para manter salários demasiado generosos e mercados de trabalho sujeitos a restrições.
A Alemanha orgulha-se, e com razão, da sua capacidade de controlar os custos e de continuar a exportar. Mas também deve reconhecer que o seu sucesso se deve em parte aos seus vizinhos europeus. Os alemães gostam de pensar que fizeram um enorme sacrifício ao abdicar do seu adorado marco alemão há dez anos, mas na verdade beneficiaram do euro mais do que qualquer outro país. Quase metade das exportações da Alemanha destina-se a outros países da zona euro que já não podem recorrer à desvalorização para fazer face à competitividade alemã.
Enquanto os anglo-saxónicos esbanjavam dinheiro, os alemães poupavam. O investimento interno não se manteve actualizado. O resultado da perícia alemã em exportar, combinada com a sua relutância em gastar e investir, foram enormes excedentes comerciais. O excesso de poupanças da Alemanha foi canalizado para o estrangeiro - muitas vezes para activos de alto risco nos Estados Unidos e para títulos de dívida pública de países como a Grécia. Seria absurdo defender que uma Alemanha prudente é responsável pela profligação da Grécia ou pela bolha imobiliária espanhola (embora alguns economistas atrevidos o tenham argumentado). Mas é verdade que, dentro de uma zona de moeda única, os habituais países excedentários têm tendência a ser igualados a habituais países deficitários.
Dar uma oportunidade à despesa
Os desequilíbrios, quer deficitários quer excedentários, não são sustentáveis eternamente. No entanto, os países excedentários têm tendência a considerar-se virtuosos e os países deficitários venais - sendo a implicação que o ónus do ajustamento deve recair sobre os mutuários. A Alemanha reagiu aos problemas da Grécia, de Espanha e de outros países da zona euro em linha com esse princípio. Outrora tabu, a fiança da Grécia está agora a ser debatida - e os ministros alemães até se manifestaram a favor de um putativo Fundo Monetário Europeu. Mas a ideia de que a Alemanha deve ela própria procurar ajustar-se, através de uma menor poupança e de um maior consumo e investimento, ainda parece inaceitável aos olhos do Governo de Angela Merkel.
É certamente verdade que os vizinhos da Alemanha têm muito trabalho pela frente. França, Itália e Espanha devem acompanhar a Alemanha na flexibilização dos seus mercados de trabalho; Itália, Espanha e Grécia devem apertar as suas finanças públicas. Mas a Alemanha também deve fazer progressos quanto à liberalização. A sua rede de regulamentos é demasiado apertada; a protecção ao emprego demasiado rígida; os sistemas de saúde, segurança social e educação ainda necessitam de uma grande dose de alterações; o sector dos serviços está subdesenvolvido. Não é necessário ser-se um fanático do mercado livre para considerar que é muito difícil arrancar com um negócio novo na Alemanha, nem para se ter a preocupação de que uma contribuição fiscal gorda para pagar os cuidados de saúde e a segurança social reduz os postos de trabalho de serviços de salários baixos. Nem tão pouco todas as mudanças que a Alemanha deve fazer significam um corte para o Governo. São demasiado poucas as mulheres que trabalham a tempo inteiro, em parte porque não há apoios de assistência à infância. As perspectivas demográficas do país são lúgubres.
Um programa arrojado de reformas estruturais na Alemanha daria um grande impulso ao consumo e ao investimento - e, por sua vez, ao aumento do crescimento do PIB alemão, que se mantém preocupantemente insignificante. A Alemanha também se pode dar ao luxo de implementar cortes fiscais para impulsionar o crescimento sem arruinar as suas finanças públicas. Se ao menos a Alemanha levantasse a cabeça, veria que isso seria no seu próprio interesse a um nível mais alargado, tanto porque seria bom para os consumidores alemães como porque ajudaria a zona euro a que está acoplada. A moeda única europeia, à semelhança da própria União Europeia, deve muito à liderança alemã do passado. Quando isso faltar, tanto a moeda como o clube terão tendência a sofrer - e a Alemanha está entre os primeiros a perder.
(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Alice Stilwell para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com