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Comportamento dos chimpanzés

Instintos assassinos Tal como os humanos, os chimpanzés podem lançar-se numa guerra de guerrilhas com os seus vizinhos. E tal como os humanos o prémio é mais território.

Exclusivo Expresso/The Economist

Quando se trata de guerra, os seres humanos não estão sozinhos. Os seus primos mais próximos, os chimpanzés, também matam os da sua espécie - em ataques brutais, que os primatologistas encaram cada vez mais como ataques estratégicos e coordenados do que como atos de violência ocasionais. Por mais tentador que seja observar essas batalhas segundo o prisma das guerras humanas, os motivos da violência, que lançam os chimpanzés uns contra os outros, ainda são mal compreendidos. Em especial, os investigadores debatem desde há muito tempo se os machos lutam pelo território ou pelas fêmeas.

Um relatório recentemente publicado na revista "Current Biology" poderá ajudar a clarificar esta questão. O estudo que nele se descreve, conduzido por John Mitani, da Universidade do Michigan, em Ann Arbor, é o primeiro a apresentar um quadro pormenorizado de conflitos organizados entre chimpanzés. Baseado numa década de observações no terreno, o estudo conclui que, tal como nos conflitos humanos, as guerras entre os chimpanzés são alimentadas pela conquista territorial.

Entre 1999 e 2008, John Mitani e os seus colegas seguiram de perto a comunidade de chimpanzés de Ngogo, que vive no parque nacional de Kibale, no Uganda. Durante a maior parte do tempo, os chimpanzés Ngogo são apenas soldados-modelos - petiscam, procuram comida e vagueiam pelos seus domínios. Mas em 114 ocasiões, Sylvia Amsler, colega de Mitani, observou grandes grupos de machos que partiam em patrulhas silenciosas, numa fila única, em direção à orla do seu território.

Estas investidas tornavam-se muitas vezes violentas. Só um dos 18 ataques fatais testemunhados por Sylvia Amsler não se verificou durante as patrulhas de fronteira. Em todos os casos, os machos concertaram esforços para matar chimpanzés de um grupo vizinho.

Para perceberem o que motivara esta violência, os investigadores observaram os chimpanzés que foram efetivamente atacados. Se a finalidade da guerra dos chimpanzés fosse a violação ou o rapto de companheiras, seria de esperar que os alvos da violência letal fossem machos adultos. Nalguns casos assim foi, mas a maioria das vítimas eram juvenis de ambos os sexos. Além disso, as mães chimpanzés eram muitas vezes espancadas, quando os invasores lhes arrancavam e matavam as crias. Embora estes ataques às mães raras vezes fossem mortais, os chimpanzés em patrulha mais depressa batiam nas fêmeas do que as levavam como companheiras, o que sugere que pode haver outros motivos por trás do seu comportamento violento.

O imperativo territorial

Os investigadores puseram, por conseguinte, a hipótese de os aspectos geográficos serem uma explicação melhor. Utilizando o Sistema de Posicionamento Global (GPS) para mapear os percursos das patrulhas e os locais de ataques, viram que os chimpanzés Ngogo faziam reconhecimentos sobretudo para lá da sua fronteira nordeste, que se sobrepõe às terras de uma comunidade vizinha. Quase todas as matanças ocorreram nesse território em disputa, onde abundam em especial povoamentos das árvores de fruto preferidas destes animais. Quando o estudo acabou, a campanha da comunidade Ngogo tinha conseguido desalojar totalmente os seus rivais e anexar as terras a nordeste, alargando o seu território em 22%.

Embora a expansão territorial possa por vezes atrair novas parceiras, nenhuma das fêmeas deslocadas foi vista a juntar-se ao grupo Ngogo. Isto sugere que o verdadeiro motivo dos combates dos chimpanzés é a propriedade da terra e não a aquisição de parceiras. Esta motivação faz sentido, no contexto da descoberta feita em 2004 por Jennifer Williams, da Universidade do Minnesota, sobre o facto de territórios maiores permitirem aos chimpanzés da vizinha Tanzânia terem mais crias. Isto constitui um incentivo evolucionário para que os macacos alarguem a sua área de influência - e os recursos a ela associados - por todos os meios necessários.

Poderão as escaramuças entre chimpanzés esclarecer as pessoas acerca dos seus próprios impulsos violentos? Uma conclusão, que poderá surpreender os cínicos, é que os humanos são mais pacíficos do que os chimpanzés. A taxa de matanças que John Mitani refere é entre uma vez e meia e cinco vezes mais alta do que a que se verifica nas sociedades agrícolas humanas - e entre cinco e 17 vezes mais alta do que a destruição lenta causada por guerras entre caçadores-recoletores, que poderiam ter menos necessidade de defender o seu território do que os agricultores. (Deve ainda dizer-se que é também mais elevada do que a que foi relatada para outras comunidades de chimpanzés, o que sugere que as tropas Ngogo poderão ser excecionalmente belicosas.) No âmbito das comparações com humanos, porém, a característica mais evidente do combate dos chimpanzés poderá ser a sua natureza cooperativa.

Os chimpanzés evitam o combate individual. Para lutarem com êxito, precisam de manter complexas redes sociais e de colaboração, o que sugere que só são capazes de cometer atos de violência contra outros grupos quando há laços fortes dentro do próprio grupo. Este dado tem sérias implicações. É possível que a capacidade para estabelecer ligações com estranhos tenha sido motivada pelas exigências da guerra. Assim, a tendência humana para convergir em torno de conceitos abstratos como a religião ou a nação, que sustenta as civilizações, poderá muito bem ser um legado evolucionário de um passado violento. Daí o interesse destes sinais de uma característica semelhante numa espécie que, apesar de ser de uma família próxima, se separou da linha que deu origem aos humanos há pelo menos cinco milhões de anos.

Infelizmente para eles, os chimpanzés de Kibale não são os únicos combatentes envolvidos em disputas territoriais na África Central. Apesar de os caçadores furtivos, os comerciantes de espécies exóticas e os agricultores expansionistas terem acabado por colocar estes primatas truculentos na lista das espécies em risco de extinção, décadas de conflitos entre humanos por causa de alguns recursos desestabilizaram os esforços de conservação. Em 21 de junho, numa tentativa para proteger as populações de chimpanzés, a Wildlife Conservation Society, de Nova Iorque, e a International Union for Conservation of Nature anunciaram um novo plano de conservação para a espécie. Ao identificarem as áreas que mais necessitam de proteção, os investigadores esperam conseguir preservar a cultura de comunidades de chimpanzés, como a de Ngogo, para estudos futuros.

(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Alice Stilwell para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com