O novo texto que regula o acesso à morte medicamente assistida foi entregue esta quarta-feira no Parlamento, cerca de 48 horas antes de voltar a ser discutido e votado em plenário. Em causa estão duas alterações que passam pela recuperação do conceito de "sofrimento intolerável” e a possibilidade de o doente só recorrer à morte medicamente assistida se for incapaz de cometer o suicídio assistido.
“Acreditamos que resolvida a última dúvida do TC suscitada a partir da conjunção “e”, resolvida ainda a dúvida expressa pelos vários Juízes Conselheiros nas suas declarações de voto sobre a subsidiariedade da eutanásia, estão criadas as condições de conforto para uma promulgação por parte do Presidente da República”, diz ao Expresso a socialista Isabel Moreira, que voltou a consensualizar o texto entre os partidos proponentes - PS, IL, BE e PAN.
Embora a deputada do PS admitisse, em janeiro, que o último chumbo do diploma se devia a uma questão “semântica” – bastando “corrigir uma palavra” –, as alterações ao texto vão mais longe para evitar uma nova declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional (TC). Por um lado, recupera-se a versão inicial da lei que fala em “sofrimento de grande intensidade", "intolerável”, e não especifica que o procedimento se aplica a quem padece de “sofrimento físico”, “psicológico” e “espiritual”.
“O Tribunal entendeu que a expressão “sofrimento físico, psicológico e espiritual” não clarifica se estamos perante uma situação de alternativa ou de cumulação. Assim, entendendo os Juízes que “e” é alternativo e juízes que entendem que “e” é cumulativo, optámos por regressar ao conceito de sofrimento sem adjetivos, já legitimado pelo TC”, explica Isabel Moreira.
O novo texto volta a definir “sofrimento de grande intensidade”, como “o sofrimento decorrente de doença grave e incurável” ou de “lesão definitiva de gravidade extrema”, “com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”.
Por outro, reduz o âmbito do procedimento, tendo em conta as preocupações levantadas por juízes do Palácio Ratton nas suas declarações de voto e a “leitura cruzada” do acórdão. Ou seja, passa prever que a “morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”. “Parece bastante plausível que se tivesse sido questionada a não consagração expressa da subsidiariedade da eutanásia em relação ao subsídio medicamente assistido, e de forma inequívoca, a atual composição do TC ter-se-ia pronunciado pela inconstitucionalidade da referida não subsidiariedade. Faz, assim, todo o sentido, antecipar neste momento a exigência implícita no acórdão”, sustenta a deputada socialista.
A incapacidade física deve ser atestada por um médico. “O médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito, mas sob supervisão médica, quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais”, pode ler-se no novo texto.
Isabel Moreira sublinha ainda que a maioria dos juízes já se pronunciou a favor da morte medicamente assistida no último acórdão, sendo que “vários entenderam inclusivamente que é inconstitucional a legislação em vigor”, reconhecendo o “direito fundamental” a uma morte autodeterminada. “Estamos, assim, mais próximos dos Tribunais Constitucionais da Itália, da Áustria, da Colômbia e do Supremo Tribunal do Canadá”, vinca.
A morte medicamente assistida foi aprovada pela terceira vez no Parlamento, no passado dia 9 de dezembro, com os votos a favor da maioria da bancada do PS, IL, BE, de seis deputados do PSD e dos deputados únicos do PAN e Livre. PCP e Chega votaram contra.