Política

Morreu Freitas do Amaral - O político do “Percurso singular”

Fundador do CDS morreu esta quinta-feira. Tinha 78 anos. Há três meses, lançou o seu último livro autobiográfico - "Um percurso singular". Freitas veio da direita, governou com a esquerda, defendeu a "equidistância" como estratégia política, e acabou sozinho. Marcelo chamou-lhe "um dos pais da democracia"

Rui Ochôa

Morreu Freitas do Amaral. O homem que há três meses, no lançamento do último volume da sua auto-biografia política se auto-definiu como "um político com um percurso singular". Foi próximo de Marcelo Caetano antes do 25 de abril. Fundou o CDS e assumiu-se como líder da direita democrática. Protagonizou o grande combate direita-esquerda contra Mário Soares nas presidenciais de 1996. Europeista convicto, deixou o CDS quando Manuel Monteiro quis o partido eurocético. E aproximou-se do PS tendo aceite o convite para integrar o Governo de José Sócrates. Recentemente tentou uma reapoximação ao seu partido de sempre: "Continuamos separados mas irmãos". Durante um ano ainda presidiu à Assembleia Geral das Nações Unidas.

Homem de pontes, Freitas assumiu em junho, no lançamento do livro onde fecha o relato da sua extensa e rica experiência política, que "houve uma primeira fase em que, com o país virado à esquerda, acentuei sobretudo valores de direita. E uma segunda fase em que, julgando eu que o país estava demasiado virado à direita, acentuei sobretudo valores de esquerda". A direita nunca lhe perdoou os desvios e a esquerda nunca o acolheu como um dos seus.

Fundador e primeiro presidente do CDS, Freitas somou cinco décadas de intervenção pública, quer na Academia, onde chegou a catedrático de Direito com inúmeras publicações, quer na política ativa, tendo integrado os Governos da Aliança Democrática, entre 1979 e 1983, e exercido as funções de primeiro-ministro após a morte de Sá Carneiro. Em 1986, disputou as presidenciais contra Mário Soares. Eleições que perdeu por 138 mil votos. Mas a derrota não o impediu de, mais tarde, se ter aproximado de Soares e do PS.

Em 2005 aceitou ser ministro dos Negócios Estrangeiros de Sócrates, como independente, após ter saído do CDS em 1992, em rutura com Manuel Monteiro, que quis o partido a chumbar o Tratado de Maastricht. Europeista convicto, Freitas bateu com a porta. Dez anos depois, já próximo de Soares de quem se tornou amigo próximo, viu o CDS retirar-lhe a fotografia da sede do partido, no Largo do Caldas, quando aceitou ser ministro de Sócrates.A direita nunca lhe perdoou as guinadas no percurso, muito menos tê-lo visto marchar contra a intervenção no Iraque ou contra a troika.

A sua permanência no Governo socialista - onde havia uma espécie de regra nos Conselhos de Ministros: todos se tratavam por “Senhor ministro” ou “Senhor Primeiro Ministro”, exceto no caso de Freitas do Amaral, que era o “Senhor Professor”, como se ministro qualquer um pudesse ser, mas professor só alguns - foi, no entanto, curta. Freitas saíu ao fim de um ano, já por motivos de saúde.

Em 2015 tentou reaproximar-se do CDS, durante a apresentação de um livro sobre as quatro décadas do CDS, onde afirmou: "Ninguém traiu ninguém, continuamos separados mas irmãos".

Doente há vários meses, o fundador e ex-líder do CDS tinha sido internado no Hospital de Cascais há duas semanas. Marcelo Rebelo de Sousa, que o visitou no passado fim de semana, definiu-o como "um dos pais da democracia".

Nascido na Póvoa de Varzim, Freitas era filho de um engenheiro que chegou a ser secretário de Salazar no Ministério das Finanças e deputado à Assembleia Nacional durante o Estado Novo. Próximo de Marcelo Caetano, de quem foi aluno em Direito, Freitas nunca terá no entanto aceite integrar o seu Governo. No primeiro dos três livros que escreveu sobre a sua vida política, o autor refere-se a Caetano como "mestre e amigo". Mas no 25 de abril acabou por tornar-se o rosto da direita democrática.

No livro que publicou recentemente com a filha Filipa - "Pai e Filha em Diálogo" - Freitas resumiu assim uma vida pública de mais de cinco décadas: "Se eu tiver conseguido pôr a maioria dos meus alunos a gostar de Direito e da Justiça, e uma boa parte dos portugueses a compreenderem e a aceitarem a democracia, se tiver podido colocart no Diário da República algumas boas leis e se tiver honrado o meu país em Bruxelas e em Nova Iorque, terá mesmo valido a pena, foi uma vida cheia".