O Mínimo de Existência, que visa proteger agregados de baixos rendimentos, já estava sinalizado para ser alvo de reformulação no quer no programa do Governo, quer no Orçamento do Estado (OE) para 2022. Mas a mudança só chega agora na proposta de OE para 2023, apanhando os rendimentos deste ano e daqui para a frente.
É, aliás, para o ministro das Finanças, Fernando Medina, “a medida mais emblemática deste Orçamento do Estado”, segundo palavras proferidas há pouco na apresentação da proposta do Executivo.
Qual era o problema que existia? Contribuintes cujo rendimento bruto aumentava, não tinham o correspondente rendimento líquido, devido a uma distorção na liquidação do IRS, causada pelo mecanismo do mínimo de existência. Ou seja, trata-se de situações em que o vencimento ou a pensão bruta é ligeiramente superior aos 705 euros, fixados atualmente para o salário mínimo nacional. O problema ficou em destaque com o suplemento de meia pensão que terá chegado aos bolsos dos reformados esta segunda-feira, dia 10.
Segundo as contas de Luís Leon, fiscalista e co-fundador da consultora Ilya, por exemplo, um pensionista com um rendimento bruto mensal de 725 euros que tenha recebido 362,5 euros de suplemento extraordinário, de acordo com as regras em vigor, no momento da liquidação do IRS, em 2024, teria de entregar ao Estado 642,5 euros. Com o novo sistema do mínimo de existência, a fatura do IRS fica pelos 372,65 euros, menos 269,85 euros.
E o objetivo, agora, é corrigir esta circunstância em que o aumento do rendimento bruto não se traduz em mais dinheiro disponível, injustiça que vem do tempo das medidas de austeridade da troika, com a alteração ao ME, em 2014. Estávamos ainda na vigência do Governo de Pedro Passos Coelho e esta mudança decorreu da reforma do IRS.
Nessa altura, desligou-se o ME da retribuição mínima garantida, faz notar Luís Leon, especialista em fiscalidade e cofundador da Ilya. “Antes não existia este tema”, sustenta.
O limiar de rendimento indispensável para uma ‘vida digna’ foi, à época, colocado nos 8.500 euros. Até então, o ME estava vinculado ao valor correspondente ao SMN anual, acrescido de 20%. Ou seja, o patamar até ao qual os contribuintes não pagavam imposto correspondia a 120% da retribuição mais baixa definida na lei.
Havia, assim, margem para evitar casos em que os rendimentos que excedem, por pouco, o SMN e acabam por ser alvo de taxas de IRS de 100%, ou perto disso.
O novo modelo de mínimo de existência pretende, assim, “conferir maior progressividade” ao IRS, “passando de uma lógica de aplicação no final da liquidação para uma lógica de abatimento em fase anterior ao cálculo do valor do imposto a pagar”, indica a proposta de OE para 2023.
Em primeiro lugar, a intenção é fixar o mínimo de existência em 10.640 euros para 2023 (face aos 9.870 euros em 2022), passando nos anos seguintes a ser atualizado em função da evolução do indexante dos apoios sociais. Numa “reforma” que terá efeitos “já sobre os rendimentos de 2022 (através da declaração de IRS em 2023) e será alargada de forma faseada para os rendimentos de 2023 e de 2024”, indica o documento agora divulgado.
Assim, vamos por partes. No que respeita a 2022, a mexida vai impactar os contribuintes com rendimentos brutos anuais até cerca de 11.220 euros. E no próximo ano, este patamar que limita a cobrança do IRS, será “de 13 mil euros anuais e em 2024 beneficiará pessoas até cerca de 14 000 euros (1000 por mês)”, promete o Executivo.
Desta forma, o governo pretende anular as distorções atuais penalizadoras de inúmeros contribuintes que, no momento da liquidação do IRS, acabam por ficar com um rendimento líquido inferior a determinado valor – o maior entre o salário mínimo nacional e 1,5 vezes o valor anual do Indexante dos Apoios Sociais (ou seja, considerando 1,5 x 14 x IAS).
“Considerando que a aplicação desta regra é feita no final da liquidação do imposto, verifica-se que, para um conjunto significativo de agregados com o rendimento bruto ligeiramente superior ao limite do mínimo de existência, o rendimento líquido de IRS é igual a este limite”, faz notar a proposta de OE 2023. E dá o exemplo de um solteiro com rendimento bruto de 10.555 euros anuais, que dispõe de um rendimento líquido de IRS de 9870 euros (valor do mínimo de existência para 2022), o mesmo valor que um solteiro com rendimentos brutos anuais de 9870 euros. “Por outras palavras, existe um intervalo (que atinge cerca de 50 euros/mês para trabalhadores dependentes e pensionistas, e cerca de 70 euros/mês para trabalhadores independentes) durante o qual a taxa marginal de imposto é 100%”. Tal situação foi posta em evidência com o extra de meia pensão pago – esta segunda-feira – aos pensionistas.
Como funciona, hoje, o mínimo de existência
O ME está previsto no artigo 70 º do Código do IRS e a fórmula de cálculo é: 1,5 x 14 x Indexante de Apoios Sociais (IAS), fixado este ano nos 443,20 euros, o que perfaz 9.307,20 euros.
No entanto, o normativo do IRS prevê que o valor de rendimento líquido de imposto que resulta da fórmula não pode, por titular, ser inferior ao valor anual da retribuição mínima mensal. O que, em 2022, se traduz em €705 x 14, num total de 9.870 euros. É este o patamar do ME.