Há alturas em que tenho a certeza absoluta que o sacaninha do telemóvel está a escutar a minha conversa. Dou um exemplo, de incontáveis que podia aqui relatar. Há dias estava na conversa com um amigo e a propósito de ovos – ovos! - disse que me dava jeito um gadget para cozer um só, sem ter de ligar o fogão. Menciono o teor da conversa para se ter a noção de quão aleatória, tonta e até pouco usual que foi. Minutos depois agarro o telemóvel e ao rolar o Instagram eis que me aparece uma porcaria de plástico para colocar dentro de água a ferver e permite até abrir o ovo para o escalfar. Não me lembro de ter falado ou pensado em cozer/escalfar ovos na última década. Não é assunto que me seja recorrente. Não sou dado às artes da culinária. Como é que me aparece este anúncio no meu feed se o Facebook/Instagram não me estivesse a ouvir? Por “ouvir” quero dizer captar palavras. Só eu acumulo dezenas de casos destes. Mas é um tema que é debatido por inúmeros fóruns, de onde resultaram artigos de jornais. O Face e o Insta ouvem-nos? E contudo a resposta dos especialistas é sempre a mesma. Não, não ouvem. E nem precisam. Eles sabem mais de nós do que nós próprios e antecipam-se. Eis o que diriam sobre a questão do ovo. O ‘meu’ algoritmo foi informado por mim, há dias, que estou numa dieta rica em proteínas. O que normalmente inclui a ingestão de ovos. Devo ter feito buscas associadas, ou clicado em links/anúncios correlacionados (não me lembro, mas OK...). Durante um dia, se passar, como passo, umas horas nas redes sociais, vejo (sem ver) centenas ou milhares de anúncios que já são formatados para mim, devido às escolhas que já fiz ao longo dos anos. O resto é simples psicologia de mágico simples. Ignorei mil anúncios, mas vejo o do ovo. E penso que estou a ser espiado. Eis o problema: nenhuma das hipóteses nos devia deixar tranquilos. E, no entanto, vivemos bem com ambas. Não há levantamentos nem marchas nas avenidas com a possibilidade de estarmos a ser ouvidos (grave) ou de os nossos telefones adivinharem cada vez mais os nossos pensamentos (mais grave?). Tudo tranquilo.
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