Na noite de 10 de setembro, o céu polaco transformou-se numa advertência. Dezanove drones russos atravessaram o espaço aéreo da NATO e penetraram em território polaco, muitos deles vindos da vizinha Bielorrússia. Alguns foram abatidos por caças polacos e F-35 holandeses, outros caíram em campos de milho. Mas todos carregavam a mesma mensagem: Moscovo já não testa apenas a resistência ucraniana, mede agora a fibra da própria Aliança Atlântica. Trata-se de mais um aviso de que apaziguar autocratas é uma ilusão: pode comprar tempo, mas raramente compra a paz. É mais um prelúdio de guerra do que uma avenida para um cessar-fogo.
Se a intenção de Vladimir Putin era sondar as defesas da NATO, o resultado foi, paradoxalmente, um êxito estratégico.
Pela primeira vez, desde o início da invasão da Ucrânia, a aliança confrontou-se diretamente com forças russas, abrindo um novo capítulo perigoso num conflito que já se prolonga há mais de três anos e meio. Mas, por detrás do impacto imediato, revelou-se uma verdade desconfortável: a Europa, habituada a tolerar provocações, continua vulnerável perante os ataques que a Rússia inflige quase todas as noites à Ucrânia, às portas da União Europeia.
Convém lembrar que os países da Europa Central e Oriental, libertos do jugo soviético, não foram arrastados para participar num “cerco imaginário” à Rússia. A sua integração nas instituições ocidentais foi uma escolha pela liberdade, não uma declaração de guerra. As suas fronteiras foram traçadas pela sua vontade, não pelos caprichos de outrem. Procuraram, por decisão soberana, a única salvaguarda historicamente credível: a integração euro-atlântica. Tratar essa escolha como “expansão ofensiva” inverte a realidade.
Não foi a Aliança Atlântica que avançou sobre essas fronteiras. Foram aqueles países, marcados historicamente por invasões, que vieram bater à porta da NATO para salvaguardar a sua liberdade. A expansão, equilibrada, foi uma resposta necessária para consolidar a democracia, garantir a paz e evitar novas divisões e zonas cinzentas na Europa, tal como defendeu Brzezinski.
Mas voltando aos céus da Polónia, o ataque tinha dois objetivos claros: provocar e testar. A maior parte dos drones do tipo Gerbera – utilizados como iscas destinadas a sobrecarregar as defesas ucranianas antes de ondas de mísseis e drones armados – exemplificam a estratégia cínica do Kremlin: provocar, negar, observar e avançar, caso a reação seja débil.
Mas Putin não age sozinho. Dentro da própria Europa, os “realistas” repetem a narrativa. A Europa “não quer negociar”. A Aliança “cercou” a Rússia. Acusam o Ocidente de “belicismo”, invocam a paz enquanto justificam a agressão, pedem negociações que disfarçam capitulações. No Conselho Europeu, testam a coesão interna enquanto os drones testam a Europa desde fora. Cada silêncio é uma luz verde para o avanço russo, cada hesitação um convite a mais um ataque.
A NATO reconheceu que as suas defesas aéreas no flanco oriental são frágeis e carecem de investimento urgente. A ativação do Artigo 4º do Tratado do Atlântico Norte pela Polónia envia uma mensagem clara, enquanto Mark Rutte qualificou a reação como bem-sucedida, ainda que insuficiente. Mas enquanto alguns ainda ensaiam preparativos e dão sinais intermitentes de vida no seio da Coalition of the Willing, a Polónia e as Repúblicas Bálticas já estavam em alerta máximo antes do exercício militar russo-bielorrusso Zapad.
O investimento militar e o equipamento são necessários, mas não suficientes: se a pressão é vital no terreno, a pressão económica deve atuar como extensão da defesa. Donald Trump é tudo menos fiável, mas a sua proposta de aplicar tarifas até 100% sobre importações da Índia e da China – que promete replicar – ampliaria o impacto da dissuasão económica. Cortar o financiamento da máquina de guerra russa é tão urgente quanto reforçar o flanco oriental.
Mas negociar não é, nem pode ser, sinónimo de paz quando a proposta é a rendição. Moscovo não exige apenas neutralidade, exige território, uma soberania amputada e o direito de reescrever fronteiras europeias. Falar em compromisso sem nomear estas condições é confundir prudência com capitulação, a paz com um armistício imposto pelo medo. As sanções não são perfeitas.
Experiências passadas mostram que pressão económica raramente gera concessões imediatas. Não impediram a invasão da Ucrânia e não são inescapáveis – não por incapacidade dos juristas do Conselho, mas pelo bloqueio daqueles que têm assento no Edifício Europa, mas que estariam mais confortáveis na Praça Vermelha, apesar dos antecedentes históricos. Ainda assim, mantêm relevância económica, estratégica e simbólica. Reforçam normas internacionais, deixam claro que anexar territórios é inaceitável e limitam indiretamente a capacidade de sustentar uma guerra prolongada, a Ocidente ou a Oriente.
O desafio de Putin é simples: ou a Europa responde com firmeza, ou aceita viver sob uma ameaça que avança centímetro a centímetro. Não é difícil compreender por que a Polónia, a Estónia ou a Finlândia – que conhecem o peso de viver na fronteira – exigem mais do que comunicados: reclamam patrulhas reforçadas, sistemas de defesa avançados e capacidade de interceção preventiva. Porque há muitos que exigem – também depois da invasão do espaço aéreo da Roménia – que cada incursão seja neutralizada antes de alcançar território aliado, sugerindo mesmo a criação de uma zona de exclusão aérea em território ucraniano.
Mas embora a defesa comece no ar, a batalha decisiva é política: provar que a Europa não se limita a debater enquanto o inimigo testa a sua resiliência. O recente ataque, os drones cruzando fronteiras e a ambiguidade americana convergem num ponto crítico. Não é belicismo afirmar que qualquer incursão será combatida, qualquer desafio à nossa soberania repelido. É um recado direto a Putin e a todos os que, como Orbán ou Fico, confundem acomodação com prudência. Apaziguar ditadores alimenta apenas a dimensão e ousadia da agressão.
É tempo de converter as palavras em segurança real. De fornecer armas de longo alcance à Ucrânia, erguer uma “muralha de drones” ao longo da fronteira oriental, impor novas sanções a países que alimentam a máquina de guerra do Kremlin e recorrer aos ativos russos congelados para financiar a defesa e a reconstrução da Ucrânia, que enfrenta um défice orçamental de 8 mil milhões de euros no próximo ano.
Cada medida deverá funcionar em simultâneo como escudo e aviso a Moscovo, como demonstração inequívoca de determinação. Uma lógica que o Conselho não poderá ignorar: o Artigo 7.º do Tratado da União Europeia deverá ser acionado para sancionar as violações flagrantes do princípio de solidariedade por parte da Hungria e da Eslováquia, nomeadamente o uso do veto contra os interesses da União. Um gesto cínico que ameaça diretamente a segurança do projeto europeu e dos seus cidadãos.
Condenar os crimes do Governo de Israel não anula a obrigação de defender a Ucrânia, apesar da duplicidade de critérios inaceitável – enquanto foram adotados dezoito pacotes de sanções no seio do Conselho contra a Rússia, só agora está em cima da mesa a possibilidade de suspender parcialmente o Acordo de Associação com Israel. Gaza é uma tragédia prolongada de ocupação motivada pela sobrevivência e ambição de um homem e do seu séquito, que persegue a ideia de um “Grande Israel”. Kiev é vítima de uma anexação territorial em pleno século XXI. Misturar os dois teatros apenas para tentar diluir a responsabilidade do Kremlin oferece a Putin um álibi.
Há quem afirme que os líderes europeus endoideceram. Mas quando nos perguntarem se estamos dispostos a entrar numa guerra para apoiar a Ucrânia, convém lembrar ao analista que num dia nos acusa de belicismo e no outro de fraqueza, ou àqueles que ainda acreditam, como acreditaram depois de Budapeste ou Minsk, que Putin se ficaria pela Crimeia ou pelo Donbass, que não fomos nós que escolhemos este conflito nem começámos uma guerra na Europa.
É Vladimir Putin que há muito está em guerra com a Europa. A soberania da Ucrânia, tal como o direito à autodeterminação dos palestinianos, não é uma provocação. Não se trata de negar os interesses económicos, os lobbies que de facto existem ou desvalorizar o risco de uma colonização comercial da Europa às mãos de Donald Trump. Trata-se de defender a integridade de um Estado invadido em pleno século XXI e de afirmar que a Europa não se pode curvar à força bruta nem à barbárie – nem na Palestina, nem na Ucrânia.
A soberania da Ucrânia não é uma provocação
Ainda não endoidecemos. Não é belicismo afirmar que qualquer desafio à nossa soberania será repelido. A lição que já devíamos ter aprendido é que é o apaziguamento que conduz à guerra