Opinião

Quando o SNS é VIP para uns e caos para outros

O recente episódio envolvendo o primeiro-ministro evidenciou as desigualdades na experiência dos utentes do SNS. Assegurar um sistema de saúde plenamente acessível e equitativo é um desafio essencial que exige uma resposta urgente

O direito à proteção da saúde é um princípio fundamental, garantido pelo Estado através do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e todos os cidadãos portugueses deveriam ter acesso a cuidados de saúde em condições de igualdade, sem discriminação e com respeito pela confidencialidade e privacidade, conforme estabelecido na Lei de Bases da Saúde. No entanto, os acontecimentos do último fim de semana evidenciaram que, na prática, a experiência no SNS pode variar drasticamente consoante a pessoa.

Na sexta-feira, 28 de março, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, passou sete horas no hospital devido a uma arritmia, segundo o próprio, submetendo-se a todos os exames necessários para despistar qualquer problema de saúde. À saída, agradeceu "a excelência do atendimento médico e a competência dos profissionais do SNS". Nada mais natural: os profissionais de saúde cumpriram o seu papel com a dedicação e competência que lhes são reconhecidas.

No entanto, para muitos portugueses, a realidade é bem diferente. As longas horas de espera nas urgências são frequentes, muitas vezes seguidas de altas precipitadas, mesmo em casos graves. Em situações extremas, essas falhas resultam no agravamento do estado de saúde e, por vezes, na perda de vidas. A comunicação social está repleta de relatos de utentes que não receberam a mesma celeridade e atenção no atendimento.

Sabemos que o SNS conta com excelentes profissionais e serviços, mas também sabemos que a sua capacidade de resposta tem sido profundamente desigual. Os portugueses aguardam meses por consultas de especialidade, aguentam horas de espera em urgências sobrelotadas e enfrentam um sistema que, para muitos, se tornou um verdadeiro labirinto burocrático. O encerramento de serviços de saúde essenciais durante sucessivos fins de semana agrava ainda mais este cenário.

A gestão da saúde pública é complexa e enfrenta desafios constantes. Contudo, é imprescindível que o atendimento recebido pelo primeiro-ministro seja a norma e não a exceção. A perceção de que o SNS reserva um tratamento de elite para alguns, enquanto outros aguardam por um atendimento precário, fragiliza a confiança dos cidadãos no sistema.

A declaração do primeiro-ministro após a sua alta foi necessária e adequada, mas para muitos portugueses soou como uma afronta. Enquanto algumas pessoas enfrentam barreiras diárias para conseguir um simples atendimento, outras recebem um serviço rápido e eficiente. A disparidade de tratamento e a desigualdade no acesso aos serviços são evidentes e inaceitáveis.

A comunicação em saúde é crucial para garantir que os cuidados prestados sejam eficazes, humanizados e centrados no doente. Infelizmente, muitos portugueses ainda se deparam com enormes dificuldades nesse processo, seja pela falta de profissionais, seja pela ausência de empatia e respeito por quem necessita de cuidados.

Garantir um SNS verdadeiramente universal e equitativo é um desafio, mas é, acima de tudo, uma obrigação do Estado. A saúde não pode ser um privilégio de alguns, mas sim um direito efetivo e acessível para todos.