Opinião

Jogos de sombras

Estamos no ponto perfeito da insatisfação popular para que exista uma reforma no sistema eleitoral, permitindo que todos os votos realmente contem e que a distribuição de representantes políticos não continue a sustentar um sistema viciado

Na política há uma velha máxima de que tudo o que parece, é. E os últimos tempos na política portuguesa são um exemplo desta velha máxima.

Nesta altura de grande incerteza sobre o cenário geopolítico, com constantes movimentações e alterações imprevisíveis na economia e ordem mundial, esta ida às urnas de forma precoce é um atentado aos mais altos interesses do país.

Tivemos em funções um Governo que nem chegou a um ano de exercício e que, apesar das suas limitações reformistas e liberais, que depois de 8 anos de socialismo até estava a saber bem, mas “bem” como se fosse um limpa palato para o prato principal. O prato principal de um Governo capaz de reformar Portugal e de o colocar com índices de crescimento que permitam aos portugueses almejar um futuro em Portugal, é, sobretudo, a liberalização e desburocratização da Economia, da Saúde e da Educação, ao mesmo passo em que otimiza a Função Pública e a Justiça cristalizadas no tempo, com ainda muitos processos kafkianos.

Para sobremesa desta refeição ideal temos uma descentralização que efetivamente fortaleça a coesão territorial e que aproveite o país na sua plenitude, não se centralizando apenas na linha Porto-Lisboa ou no litoral. Como digestivo e por forma a que a 3ª república ainda se mantenha por alguns anos, é inevitável a reforma do nosso sistema eleitoral, que sustenta o bipartidarismo há tantas décadas.

E neste momento, estamos no ponto perfeito da insatisfação popular para que exista uma reforma no sistema eleitoral, permitindo que todos os votos realmente contem e que a distribuição de representantes políticos não continue a sustentar um sistema viciado. Mas pratos e tachos à parte, vejamos então com que jogos de sombras os partidos com assento parlamentar andaram a tentar iludir a população portuguesa.

Luís Montenegro, se já tinha a dificuldade de governar com um parlamento em minoria, o que faz com que tenha de estar em permanentes negociações, o que claramente não é para o perfil do primeiro-ministro demissionário, ainda começou a ser acusado por tudo, tendo como alvo a sua empresa. Algo que qualquer novato em política trataria meses antes de, sequer, ser eleito presidente do seu partido.

Mas o que fez Luís Montenegro? arrastou todo o governo e o próprio partido para uma situação pessoal, apenas da sua responsabilidade. Aqui chegados, qual roleta de Monte Carlo, moção de confiança para a frente e o seu destino está nas mãos dos portugueses. Honestamente, esperava bem mais de um político com já tantos anos neste métier.

Pedro Nuno Santos, que, surpreendentemente, sempre esteve muito bem informado sobre este dossier acusatório, viu uma oportunidade para um salto temporal tentando ser já o primeiro-ministro, que nunca será. Fê-lo de forma ardilosa, mas com muito menos souplesse do que António Costa.

Os portugueses, neste ponto específico, conseguem perceber quando os estão a tentar enganar e quando alguém se torna num abutre em causa própria. O PS correrá nestas eleições com uma esquerda fragmentada e será praticamente impossível governar mesmo com uma vitória nestas eleições.

André Ventura, que foi vítima das suas próprias circunstâncias internas, como seria de esperar mais dia menos dia, viu neste episódio uma boia de salvação para um partido que já todos percebemos o que vale. Um partido cujos quadros são altamente duvidosos e cuja seriedade muitas vezes é questionada pela justiça.

Quando se escrutina fora de casa e não se começa na própria, corre, naturalmente, muito mal. Aproveitará todo este episódio para esconder os episódios que proliferam dentro do seu próprio partido.

Rui Rocha e a Iniciativa Liberal estavam completamente focados no próximo ciclo eleitoral, nas próximas eleições autárquicas e presidenciais, depois de saírem de uma convenção há pouco mais de um mês. A mudança para umas Legislativas, para um partido recente e ainda com recursos limitados, é sempre complicada, mas o sentido de responsabilidade e de Estado para que estas eleições não ocorressem podem fazer com que o liberalismo saia capitalizado neste ato eleitoral.

Quanto aos restantes partidos de esquerda, a pretensão de irem a eleições é nada mais nada menos do que uma tentativa de sobrevivência, de prova de vida, conforme as sondagens vão demonstrando. O Bloco de Esquerda está em perda acentuada devido aos escândalos com os seus funcionários e com a subversão do alto do moralismo onde sempre se colocou. O PCP e o PAN já se encontram em fase terminal e veem nestas eleições a sua última oportunidade de fuga à eutanásia.

O Livre de Rui Tavares vê o seu eleitorado a fugir cada vez mais para o PS devido ao radicalismo de Pedro Nuno Santos. Fala-se numa coligação entre ambos os partidos, e o que é certo é que é cada vez mais difícil de distinguir os dois. Não havendo coligação entre ambos, a queda pode ser acentuada, mas é melhor tentar recuperar agora do que desaparecer daqui a 2 anos, por isso venham de lá eleições!

Como já todos concluímos, estas eleições não servem a mais ninguém tirando aos diretórios partidários e às suas ambições. Todos os jogos de sombras que fizeram para mostrar que não queriam ir a eleições foram um espetáculo para crianças e qualquer cidadão pouco informado percebia as reais intenções. Mas aqui chegámos e para eleições vamos. Resta agora aos partidos darem o seu melhor depois de tudo o que se passou, fazendo uma campanha de ideias para o país e de elevação, honrando a política nacional.

Estou certo de que muitos mais portugueses estarão atentos aos programas políticos dos partidos assim como às respetivas listas de possíveis deputados da nação, depois de todos os episódios que se passaram nesta legislatura.

Os partidos que apresentem as melhores soluções para o país, as pessoas mais competentes nas suas listas aos diversos distritos e que consigam manter o partido unido durante estes próximos 2 meses, conseguirão resultados muito interessantes.

Todos os partidos que se focalizem nos jogos de sombras tão típicos da política portuguesa, acredito que saiam penalizados nestas eleições, porque o eleitor está farto de ser enganado e quer um Portugal de futuro e com futuro.