Opinião

O novo risco sistémico na saúde

A escassez de profissionais de saúde é hoje o maior risco sistémico para Portugal, exigindo visão estratégica, cooperação público-privada e um plano nacional que assegure formação, retenção e valorização do talento

Portugal enfrenta, neste momento, um dos maiores riscos sistémicos para a sustentabilidade e a equidade do sistema de saúde: a falta de profissionais qualificados. Médicos, enfermeiros, técnicos e cuidadores escasseiam de forma transversal, num problema que cresce de ano para ano e que é estrutural. Não se trata de uma questão conjuntural, nem se resolverá com remendos legislativos ou diagnósticos repetidos. É um desafio político de primeira ordem, que exige visão estratégica, planeamento de longo prazo e coragem para envolver todos os atores (públicos e privados) numa verdadeira política nacional de formação, retenção e valorização dos profissionais de saúde.

O problema é global. A Organização Mundial da Saúde estima um défice de 11 milhões de profissionais até 2030, sobretudo em países de baixos e médios rendimentos. Mas os efeitos já se sentem por cá: serviços sob pressão, equipas em rotura e uma capacidade de resposta cada vez mais limitada. Tudo isto ocorre num país que envelhece rapidamente, onde entram cada vez menos jovens no ensino superior e onde surgem novas pressões territoriais, como no distrito de Setúbal, em plena expansão demográfica impulsionada pela construção do novo aeroporto. Ignorar esta realidade é um erro político grave: sem planeamento estratégico de recursos humanos em saúde, arriscamos comprometer a resposta do sistema público e privado exatamente nas regiões onde o crescimento populacional será mais acentuado.

É urgente termos um plano nacional para a formação de profissionais de saúde. Um plano que vá além das vagas no ensino público e envolva todas as instituições com capacidade formativa e sentido de missão. As universidades privadas especializadas em saúde, com mais de 40 anos de experiência, têm aqui um papel essencial: com qualidade, exigência e compromisso social. O debate não deve ser sobre se a resposta vem do público ou do privado, mas sobre se vamos ter profissionais disponíveis nos hospitais, Unidades Locais de Saúde (ULS), lares e farmácias.

Formar mais, melhor e mais depressa, esse é o desafio. Isto implica aumentar a escala com critério, diversificar perfis e atualizar modelos formativos. O futuro exigirá não apenas mais médicos e enfermeiros, mas também técnicos de diagnóstico e terapêutica, especialistas em saúde digital, cuidadores qualificados e gestores com literacia clínica. A formação não pode permanecer refém de modelos do século passado, nem condicionada por barreiras artificiais que pouco têm a ver com a qualidade real do ensino.

Mas formar mais não chega. É preciso reter talento. A ideia de que os profissionais emigram para terem salários mais altos é uma meia verdade. Muitos partem porque as carreiras estagnam, a formação contínua é insuficiente, a motivação desaparece e o reconhecimento é escasso. Nestes casos, reter significa criar carreiras progressivas, garantir formação ao longo da vida e reforçar o sentimento de pertença. Ainda assim, a emigração não deve ser vista apenas como uma perda. Muitos profissionais portugueses lideram hoje serviços e equipas clínicas no estrangeiro, projetando internacionalmente a qualidade do nosso ensino e podendo regressar com experiência e prestígio acumulados. O essencial é manter uma relação construtiva e circular, criando condições para que quem sai possa também voltar.

Outro ponto fundamental é atrair estudantes internacionais. Portugal não conseguirá responder às necessidades futuras apenas com estudantes nacionais. Receber e integrar alunos estrangeiros, sobretudo em áreas com maior défice de profissionais, é uma oportunidade estratégica: parte deles irá fixar-se no país, suprindo carências e reforçando a diversidade do sistema.

Este é também um teste de maturidade para o ensino superior — estamos realmente preparados para formar mais, melhor e de forma mais ágil? A resposta tem de ser afirmativa e o esforço conjunto. O ensino privado é parte do plano A, não como alternativa, mas como parceiro estratégico, já a contribuir com formação especializada, cobertura territorial, capacidade de adaptação e forte orientação para a prática e a empregabilidade.

As instituições privadas têm demonstrado agilidade na criação de novas valências, flexibilidade de modelos de ensino e ligação direta ao mercado de trabalho. Muitas vezes são pioneiras na resposta a mudanças tecnológicas ou sociais, oferecendo ensino de qualidade, exigência académica, impacto económico e compromisso social. A cobertura territorial, a diversificação da oferta e a capacidade de adaptação tornam o setor privado indispensável ao sistema nacional de ensino superior. Não se trata apenas de “suprir vagas”, mas de abrir caminhos onde antes não havia um percurso possível.

Cabe agora ao sistema, através das suas políticas e planeamento, refletir esse entendimento. Contudo, o reconhecimento ainda não se traduz em instrumentos claros de política pública. É fundamental integrar o ensino superior privado no planeamento estratégico nacional, nas respostas estruturais às carências do país, nos programas de financiamento competitivo e nas redes de cooperação científica. Não basta reconhecer informalmente, é preciso agir em conformidade.

O país precisa de mais ensino superior, em mais lugares, com mais especialização e ligação à economia real. O setor privado, com quatro décadas de experiência e reconhecimento internacional, já está a contribuir e pode fazer muito mais. Não por falta de vontade, mas por falta de enquadramento institucional claro que valorize o seu papel.

Estamos aqui para formar, inovar, criar emprego, fixar talento e servir Portugal. A crise da força de trabalho em saúde não se resolve com retórica, mas com decisões políticas firmes: escala, qualidade, planeamento estratégico, investimento sustentado e cooperação real. O ensino superior privado não é um complemento, é parte integrante do Plano A para o futuro do país e Portugal não pode, nem deve, prescindir dele.