A semana passada foi uma das piores da carreira política europeia de Úrsula Von der Leyen. Um sinal de que a falta de consenso sobre o tema Israel é tereno minado, mesmo quando há um ataque com aquela violência. Coisa que a presidente da Comissão não percebeu. E que um atentado em Bruxelas veio clarificar.
Primeiro, a seguir aos brutais ataques, Von der Leyen, decidiu iluminar o edifício da Comissão Europeia com as cores da bandeira de Israel, como muitos edifícios parlamentares e governamentais pela Europa fora fizeram. Depois, foi a uma cerimónia em frente ao Parlamento Europeu, também de solidariedade com as vítimas israelitas do terror do Hamas. Mas, nas fotografias que publicou nas redes sociais, Úrsula cortou cirurgicamente Charles Michel, o presidente do Conselho (onde os 27 governos se sentam), que estava exactamente ao seu lado. Finalmente, juntou-se à viagem da presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, a convite do Knesset, o parlamento de Israel, para manifestar a solidariedade europeia perante a agressão a Israel e o seu direito de se defender. E muitos acham que não ter dito expressamente que o direito de Israel se defender implicava respeitar o direito internacional foi uma grave falha. Como se não fosse óbvio. Na verdade, o problema de VdL foi outro: tomar uma posição onde não havia um vazio, mas sim desacordo e algum silêncio intencional.
O que aconteceu a semana passada não foi significativamente diferente do que Von der Leyen já tinha feito. Mas as circunstâncias são substancialmente diferentes.
Ao longo do último ano e meio, desde o primeiro momento da guerra na Ucrânia, a presidente da Comissão Europeia percebeu a gravidade e sentido do problema, compreendeu o sentimento generalizado dos europeus em relação à Ucrânia, e preencheu o vazio deixado por uma liderança alemã lenta e uma liderança francesa à procura de uma oportunidade de brilhar numa hipotética mediação.
O que se passa com o ataque a Israel tem outro contexto. Há uma história com quase oitenta anos cheia de culpas e culpados de um e de outro lado, muito útil para quem queira fazer uma arqueologia da culpa a preto e branco. Há, na Europa, muito ódio a Israel e aos judeus. Um misto de anti-sionismo, anti-semitismo e, mais ainda, décadas de notícias em que Israel é apresentada sempre como agressor, nunca como vítima de coisa nenhuma. Mesmo quando acontecem ataques terroristas.
Por outro lado, ver muçulmanos na Europa a manifestarem o seu apoio à Palestina e especificamente ao ataque do Hamas, ou não ver manifestações a pedir a entrega dos reféns (mesmo sabendo que um grupo terrorista não é particularmente sensível a apelos), alimenta muito dos sentimentos anti-islâmico que há na Europa. E o que aconteceu ontem, em Bruxelas, reforçou-o.
Ao contrário do tema da guerra da Ucrânia, onde a escolha de lados foi praticamente unânime na Europa e nas suas lideranças políticas, neste caso as divisões têm fortes raízes e pressões internas. A Alemanha tem sempre uma predisposição favorável a Israel. Sabemos porquê. França pensa muitas vezes primeiro nas suas populações muçulmanas. Vários Estados membros têm sobretudo em conta a percepção pública de quem tem mais culpa.
Foi esta circunstância, bem mais complexa, que colocou Von der Leyen em cheque. Acresce, a isso, que há quem não lhe perdoe a empatia com as vítimas israelitas, quem queira ajustar as contas da popularidade dos últimos anos e quem queira o seu lugar.
Em 2021, durante uma visita a Ancara, Von der Leyen foi remetida para um sofá, um lugar de segunda linha, em vez de ficar ao lado do Presidente Turco e do presidente do Conselho, Charles Michele, sentados em grandes cadeiras. Na altura falou-se de machismo, escândalo e de desrespeito pela presidente da Comissão. Agora, todos os críticos dos últimos dias recordam que a presidente da Comissão Europeia não tem competências em política externa. Que o seu lugar é o sofá. Coisa de que ninguém se lembrou nem então nem nos últimos dois anos. Pela óbvia razão de que as circunstâncias são diferentes.
Entretanto, ontem, ao final do dia, um ataque terrorista em Bruxelas recordou a cidade do pânico de 2016, quando houve explosões e mortos no aeroporto e numa estação de metro. Desta vez, um homem matou, pelo menos, dois adeptos da Suécia, cuja selecção de futebol jogava na cidade. O mais provável é que seja uma vingança pelos livros do Corão queimados em Estocolmo nos últimos meses. Seja o que for, recordou os europeus de uma coisa, e pode ser usado para outra. Recordou que a segurança contra ataques terroristas é sempre provisória, e pode ser usado para inflamar o ódio aos imigrantes. Esta guerra é muito mais perigosa e não é só lá longe.