Opinião

O grande sacrificado deste Orçamento

Haverá ainda mais externalização de serviços e nenhum plano para aumentar a capacidade do SNS, que vai ficando nas mãos de empresas privadas fornecedoras de mão-de-obra. Haverá milhões para contratar médicos à tarefa e para horas extraordinárias, mas não para assegurar carreiras atrativas. Haverá um “CEO” do SNS e haverá “SNS awards”, mas não haverá propostas capazes de acabar com a exigência de milhões de horas extraordinárias a profissionais já esgotados

As prioridades do Orçamento do Estado estão apresentadas: reduzir IRS para aqueles que pagam esse imposto (vale lembrar que 40% das famílias não ganha o suficiente para pagar IRS, está isento); garantir excedente orçamental; e manter uma política de estagnação salarial, num país em que os salários são sorvidos pela renda de casa ou pelo empréstimo. O grande sacrificado do Orçamento são os serviços públicos, com a saúde à cabeça.

Isto se conclui da leitura do documento. Não haverá soluções estruturais para as urgências, transformadas num serviço intermitente: o objetivo do Governo é, pelo contrário, “dinamizar os novos modelos de organização das urgências”. O setor privado continuará a beneficiar de uma parte significativa do orçamento público: o Governo define como objetivo para 2024 “reforçar a cooperação com os hospitais da rede social” e “prosseguir a gestão em regime de PPP do Hospital de Cascais”. A folga orçamental em 2023 foi de 4400 milhões, mas este dinheiro não será utilizado para reforçar os serviços públicos ou para valorizar as carreiras dos profissionais que podem assegurá-los. O Ministro das Finanças foi cristalino a esse propósito: “usar excedente para aumentar médicos ou professores? Não seria adequado”. O objetivo do PS é ir além da troika no que à política orçamental diz respeito, ao mesmo tempo que as urgências encerram ou ficam comprometidas, que os serviços de obstetrícia do maior hospital do país são parcialmente externalizados para um privado, que todas as semanas responsáveis por serviços se demitem perante a impossibilidade de fazer escalas e de garantir o funcionamento das instituições.

Anunciou o Governo, na apresentação do Orçamento para a saúde, que este subiria 10% face a 2023. É um truque contabilístico. Se compararmos com a verba realmente executada neste ano, o aumento previsto para 2024 é de apenas 4,7%. Tal percentagem não anda longe da das atualizações previstas para os trabalhadores da administração pública. Ou seja, não haverá reforço do investimento real, ou dinheiro para a despesa necessária para fixar e atrair mais profissionais de saúde.

Haverá, isso sim, milhões transferidos do SNS para pagar aos privados serviços (que saem mais caros do que se fossem providos pelo público), mas faltarão esses milhões para equipar o SNS com capacidade para prestá-los. Haverá ainda mais externalização de serviços e nenhum plano para aumentar a capacidade do SNS, que vai ficando nas mãos de empresas privadas fornecedoras de mão-de-obra. Haverá milhões para contratar médicos à tarefa e para horas extraordinárias, mas não se utilizará esses milhões para assegurar carreiras que sejam atrativas. Haverá um “CEO” do SNS (mesmo sem estatuto que o enquadre) e haverá “SNS awards” para premiar gestores que mandam grávidas para o privado, mas não haverá propostas na mesa de negociação com os sindicatos capazes de acabar com a exigência absurda de milhões de horas extraordinárias a profissionais já esgotados (12 milhões de horas extra em 2023, só até agosto). Haverá um ministro que em lugar de soluções apostará em dividir profissionais e em tentar virar a opinião pública contra médicos e enfermeiros em luta pelo SNS.

São escolhas – mas são um desastre.