Eu sei que o tema internacional do momento é a Guerra entre Israel e o Hamas. E sei também que as primeiras notícias sobre o Orçamento para 2024, hoje aprovado na versão final, chamaram a atenção.
Mas vão-me desculpar que guarde para a semana as reflexões profundas que esses temas merecem, para o que convém saber um pouco mais e melhor.
Até porque o tema principal que escolhi é muito atual e nada ganha com mais uma semana de reflexão.
Trata-se afinal do futuro político de Montenegro e da hipótese de que o PS volte a ganhar em 2026.
O PSD ANDA AGITADO
Como já será óbvio para todos, o Presidente da República deixou de falar em remodelação e em eleições antecipadas e até a palavra “Galamba” desapareceu do dicionário político.
O grande tema político nacional (veja-se o Expresso de 6ª feira) passou a ser o PSD, ou seja, se Luís Montenegro sobrevive até 2026 e se não sobreviver quem vem a seguir.
Os sinais são muito evidentes, e entre eles:
a) A larvar contestação interna no PSD tornou-se mais visível e audível;
b) A revelação por “insiders” de que Pedro Passos Coelho quererá voltar à liderança depois das Eleições Europeias, se o PSD não for o partido mais votado;
c) Algum frenesim da Direção do PSD para surgir com resultados, de que foi sinal a ida em grupo à Madeira na noite eleitoral;
d) A apresentação de propostas de fundo (por exemplo na Saúde, Habitação e Impostos) contrárias à linha governamental;
e) O anúncio de outras reformas, como seja na Educação, com a proposta de recuperação integral do tempo de serviço dos professores e até de um relevante documento “Propostas Urgentes para um Sector em Crise”;
f) A subtil tentativa de aproveitar a frustração relativa na Madeira para uma estratégia mais “centrista” (cortar com CHEGA de forma clara e acordos possíveis a nível nacional com o PAN).
Acho que Luís Montenegro está a trabalhar bem e até compreendo que, como dizem os franceses, ele esteja a “faire feu de tout bois”, ou seja, a usar tudo o que tenha à mão, mesmo que seja lenha que arde mal ou esteja húmida.
Também concordo que há uma diferença abissal em comparação com Rui Rio, que parecia ser politicamente preguiçoso e sem propostas. E acho que de um modo geral se pode afirmar que o PSD está a conseguir ser diferenciador em relação ao PS e a não se radicalizar em excesso.
Acresce que Montenegro não é agressivo, parece ser uma pessoa cordata e entra-nos em casa pelas televisões sem nos assustar, irritar ou causar pele de galinha.
Ou seja, como diria o Sr. Pangloss, “tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis”?
Pois. Mas vejamos um pouco mais fundo.
MONTENEGRO: GANHAR OU PERDER AS EUROPEIAS?
Diz-se que as oposições não ganham eleições, os governos é que as perdem. E alguma verdade há nisso.
Ou seja, se Montenegro resistir até 2026, assumindo que António Costa não se vai recandidatar, talvez possa ser verdade, não se sabe.
Mas o problema para Montenegro são as eleições europeias de junho de 2024.
Acho que, provavelmente, o PS não vai ter um grande resultado: pouca participação eleitoral, impossível dramatização pelos socialistas, hábito nestas eleições de votar contra o Governo.
E os portugueses adoram usar cartões amarelos, que permitem criticar sem consequências.
Mas nas eleições de 2019, em 21 eleitos, o PS teve 9, e o PSD só elegeu 6 (com o péssimo resultado de 21,9%), há muita oferta de oposições, votar em qualquer delas serve o propósito do cartão amarelo dado a António Costa, e sobretudo agora há o CHEGA e a Iniciativa Liberal em força no mercado político.
O CHEGA deve obter 2 eleitos e se chegar a 11,5% dos votos (resultado ao seu alcance) pode acrescentar mais um. O IL deve eleger 1, para o que bastará alcançar 3,7% dos votos.
Por tudo isso é difícil que o PSD ganhe as eleições, ainda que deva manter os 6 eleitos, até porque em eleições proporcionais num único círculo nacional, sem desperdício de votos, a opção pelo voto útil faz menos sentido.
Para Montenegro poder ganhar as eleições europeias teria o PS de perder 2 eleitos e o PSD de alcançar 29,6%, passando a 8, o que não sendo impossível considero improvável, a menos que concorra com o CDS (que alcançou 6,2% dos votos e 1 eleito em 2019).
Ou seja, em termos objetivos é difícil, mas não é impossível que Montenegro ganhe em junho de 2024. Por aí, portanto, tudo pode acabar bem.
NÃO ESTÁ FÁCIL PARA MONTENEGRO…
Mas tudo piora se trouxermos à colação a realidade psicossociológica, que é desfavorável ao líder do PSD.
Eleito quase há um ano e meio como líder, Montenegro revelou que lhe falta carisma, essa poção mágica sem a qual tudo se torna muito difícil na política e ainda mais no PSD. E André Ventura, cada vez mais rival, tem carisma e não tem de se preocupar com prudência e moderação.
Ou seja, apesar de ser muito melhor do que Rui Rio, Montenegro não conseguiu fazer a diferença, gerando entusiasmo, polarizando o debate político, despertando a esperança de sucesso que ajuda - e muito - a que ele ocorra.
Por tudo isso, sente-se muito bem que no interior do PSD e nas suas bases, o lugar de líder está acessível, e ainda mais para dois políticos que são manifestamente mais desejados: Pedro Passos Coelho, como é evidente; e, se ele não avançar, ainda há Carlos Moedas.
Talvez paradoxalmente, a força de Passos Coelho é o silêncio que se ouve e lhe outorga uma espécie de carisma adicional de sebastianismo. Já a força de Carlos Moedas é a presença constante que a JMJ acentuou e a liderança autárquica em Lisboa torna inevitável.
Não sabemos se eles querem nem sequer se podem. Mas esse será um problema a resolver apenas em caso de derrota de Montenegro. Até lá basta que na área do PSD eles sejam mais desejados por comparação e que assim Montenegro seja minado semanalmente.
Por isso, de um modo que parecerá estranho a muitos, na eleição de junho de 2024 o incumbente não é António Costa, mas Luis Montenegro.
Ou seja, o voto de muita gente será em resposta à pergunta: queremos Montenegro para liderar a Direita? Ou Passos Coelho? Ou Carlos Moedas?
Não posso afirmar que Luís Montenegro esteja perdido, até porque os incumbentes têm em regra armas que só eles podem usar. Mas pode cair vítima de “laranjinhas”, que para terem Passos ou Moedas poderão ficar em casa, votar no IL ou até no CHEGA.
Em todo o caso, ontem Montenegro deu à TVI a melhor entrevista que lhe vi fazer e mostrou ânimo de combatente que os “laranjinhas” adoram. E anunciar que vai a jogo mesmo que perca as europeias condiciona os putativos rivais.
Vamos, pois, esperar sentados para ver como isto evolui.
E NO FIM GANHA O PS?
Mas, pior do que isso, para Montenegro há o problema António Costa e a realidade objetiva.
Em primeiro lugar, António Costa é o melhor político da sua geração, altamente dotado para o combate político, com “killer instinct”, intuição, e um pragmatismo sem traumas. E, o que não é pouco, manda num partido domesticado.
Depois, a conjuntura é-lhe muito favorável. Por exemplo:
a) A inflação, o pleno emprego, a disciplina orçamental, a bazuca do PRR, vão permitir distribuir dinheiro a rodos para grupos sociais essenciais para o seu plano político;
b) É o que se vai passar com os reformados aumentados mais de 6%, com salário mínimo aumentado acima da inflação, com os jovens e classes médias com redução do IRS e até por ter coberta a aposta do PSD, na redução geral do IRS;
c) Apesar da recusa da CIP em assinar o Acordo de Rendimentos e Preços, tema a que voltarei numa das próximas semanas, foi um grande sucesso que, com algumas benesses, CAP, CCP e CTP votassem o Acordo.
d) Se tiverem dúvidas deleitem-se a ver quem sorri mais…
Acresce que a Europa - que não vote em radicais - está hoje mais “à Esquerda” do que noutros períodos, a COVID mudou o paradigma social, o apelo do assistencialismo, o desejo de proteção, tudo calha muito bem aos partidos socialistas na Europa.
E no mesmo sentido leiam o magnífico artigo de Eduardo Barroso, “Insustentável”, no DN do passado sábado, com a sua história de vida, para se perceber que a ambição profissional e a dedicação ao trabalho já não é o que era, talvez felizmente para as famílias…
Finalmente a nova guerra entre Israel e o Hamas, o aumento da migração do Sul, a situação mais complicada da Guerra na Ucrânia, tudo favorece quem está no Poder, por criar uma atmosfera de receio e insegurança fortes.
Ou seja, e em resumo, não creio que o PSD ganhe as europeias e parece-me possível que não ganhe em 2026, seja qual for o seu líder.
Posso estar enganado, claro. Mas pelo menos percebam que estar na pele de Luis Montenegro não é nem vai ser um petisco político.
A EUROPA CERCADA POR GUERRAS
O que está a acontecer em Israel é um momento “Pearl Harbour” ou “11 de setembro”, causado por “hubris” (arrogância) e desleixo dos serviços de informação em Tel Aviv. Isto parece óbvio.
Menos óbvio é o que se vai seguir, mas não é de excluir que se entre numa nova fase no Médio Oriente (oposta à tendência para relações entre sunitas e judeus no âmbito dos Acordos Abraão) com uma escalada que interessa à Rússia.
Seja como for, depois da Ucrânia, uma nova guerra nas fronteiras europeias (e não devemos esquecer o que se está a passar entre o Azerbaijão e a Arménia e ainda que em menor escala entre a Sérvia e o Kosovo) vai ter influências em cascata sobre todos os aspetos da nossa vida.
Estamos a aterrar num mundo novo, só não sabemos quão pior será do que aquele em que vivemos nas últimas décadas, mas que confirma que a guerra é infelizmente parte da natureza humana.
O ELOGIO
Desta vez é mais um voto de boas vindas do que um elogio. A Pedro Nuno Santos. E de parabéns à SIC por tê-lo contratado.
Apesar de se afirmar “social-democrata”, PNS surgiu claramente pela esquerda do PS, a sonhar com a geringonça (que sugeriu ser inevitável), a queimar os barcos em relação à TAP (quer vender menos de 50%, ainda que isso seja uma borla ao comprador), a ameaçar os bancos (desta vez os portugueses e não os alemães…) com impostos adicionais populistas, como Meloni tentou e teve de desistir.
PNS mostrou-se sereno e não brigão e isso é bom para ele. Mas falou demasiado dos seus méritos de político e pareceu-me ainda pouco comentador e muito ator político. Mas tudo somado, não esteve mal.
LER É O MELHOR REMÉDIO
Hoje dois livros que têm em comum a oferta amiga dos autores, além da sua qualidade e interesse geral. E são ambos muito divertidos e bem escritos.
Trata-se de “Não Há Vidas Grátis”, de António Pinto Leite (Principia) e de “Como Mentem as Sondagens”, de Luís Paixão Martins (Zigurate).
No livro de Pinto Leite – uma coleção de 59 reflexões autobiográficas que acompanham quase 60 anos (a primeira nota leva-nos a 1965) da nossa história – tenho a honra de uma referência, apenas justificada por uma amizade sólida com mais de 40 anos.
O livro de Paixão Martins – em que também já comecei a meter o dente - deve ser lido por quem acredita (demasiado) nas sondagens e talvez por isso sugiro que passe a leitura obrigatória para as aulas de “Cidadania”.
Leiam que se não vão arrepender.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
Há muito tempo que denuncio aqui que o Estado esteja a deixar degradar o Palácio Burnay em Lisboa, apesar do esforço do Forum da Cidadania Lx e até de uma decisão judicial.
Quase tudo foi roubado, as janelas não foram encerradas pelo Ministério das Finanças, apesar da ordem judicial, agora até uma porta está escancarada, como se pode ver.
A pergunta: será que o Ministério das Finanças está a fazer de propósito? E o Ministério da Cultura concorda?
A LOUCURA MANSA
O Governo tem uma ânsia, aliás compreensível, de encontrar medidas simpáticas e que estejam de acordo com os tempos atuais.
Para isso terá inventado o que se costuma chamar “dois em um”: reduzir 30% das portagens nas autoestradas no Interior (custo de 72 milhões de euros) e aumentar o IUC para carros anteriores a 2007 (com receita equivalente). Ajudar o interior e lutar contra a poluição nas cidades.
“Pequeno” problema: quem tem carros anteriores a 2007 são, evidentemente, os mais pobres e em boa medida os que vivem no interior do País.
Ou seja, uma medida que se estivéssemos em França, daria uma revolta dos “gilets jaune”. Aqui tudo é mais pacífico e resignado, não deixa de ser uma loucura insensata, mas pela falta de reações também ajuda perceber como será difícil desalojar o PS…