Opinião

Tabaco e fiscalidade: oportunidade perdida?

Há um tema que o Estado tem vindo a descurar: uma abordagem de redução de riscos quer a nível de regulamentar, quer na fiscalidade sobre os produtos do tabaco e nicotina. Num momento em que se discutem medidas com vista à melhoria da saúde pública, é bom notar que a fiscalidade também faz parte da solução

Na semana passada foram aprovadas, na generalidade, relevantes alterações à Lei do Tabaco, com fortes restrições no seu consumo e distribuição – tudo em nome de uma agenda própria do Ministério da Saúde.

Sem prejuízo dos comentários e das reservas que possam advir do referido diploma, há um tema que o Estado tem vindo a descurar – uma abordagem de redução de riscos quer a nível de regulamentar, quer na fiscalidade sobre os produtos do tabaco e nicotina.

Com uma harmonização europeia que ainda acolhe exclusivamente os produtos do tabaco com combustão, os impostos sobre o tabaco sempre tiveram um foco muito direcionado na delimitação destes produtos convencionais, como os cigarros ou o tabaco de enrolar. Esta posição deixa de fora, por exemplo, os líquidos sem nicotina para cigarros eletrónicos e até mesmo as cigarrilhas com filtro, que deviam ter um tratamento adequado face ao mercado.

Não sendo de somenos importância, há ainda por resolver a diferença de tributação entre produtos com combustão, nomeadamente entre cigarros e tabaco de enrolar. Nos últimos anos, temos assistido a uma evolução no mercado em que com um grama de tabaco de enrolar permite-se fazer quase três cigarros. Por outro lado, no tabaco aquecido, embora a base tributável – Peso – esteja alinhada com a generalidade dos Estados-membros, Portugal é um dos quatro que aplica uma estrutura mista, enquanto 17 dos 22 países da União Europeia (UE) em que esta categoria de produto é comercializada já aplicam uma estrutura totalmente específica. Com efeito, a estrutura fiscal nacional aplicada ao tabaco aquecido poderia ser alinhada com a generalidade dos Estados-membros, tornando-se inteiramente específica. Denote-se ainda que atualmente, Portugal é, juntamente com Espanha e Lituânia, o quarto Estado-membro com o valor mais elevado (Euros/grama) de imposto sobre o tabaco aquecido.

Por seu lado, e intimamente relacionado com a fiscalidade e os sinais advenientes na perceção da diferença de produtos, não se consegue entender como é que esta recente reforma da Lei do Tabaco, com reflexos importantes ao nível do consumo e da distribuição, deixa de fora a obrigatoriedade de divulgação de informação sobre os vários produtos de tabaco e os seus diferentes perfis de risco à população consumidora. Na verdade, uma reforma não se faz por decreto, é necessária a educação e a compreensão, que são elementos fundamentais de uma reforma duradoura.

Em suma, é urgente, e há mais do que espaço, para uma reforma fiscal transversal, que diferencie a tributação dos produtos com combustão, da tributação dos produtos sem combustão. Esta reforma, é uma oportunidade para garantir a previsibilidade da receita fiscal, sem criar condições favoráveis ao desenvolvimento do comércio ilícito. Teme-se que, se não forem tomadas medidas fiscais adequadas e proporcionais, podemos ter o regresso do comércio transfronteiriço, o que não seria desejável.

Num momento em que se discutem medidas com vista à melhoria da saúde pública, é bom notar que a fiscalidade também faz parte da solução. Será esta mais uma oportunidade perdida?