Longevidade

Viver mais e com maior qualidade de vida: a receita da dieta mediterrânica para um envelhecimento saudável

Conhecida por favorecer a prevenção e gestão de doenças crónicas e pelos seus efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios, a dieta mediterrânica é o caminho a seguir para um envelhecimento saudável. O Expresso conversou com duas especialistas sobre este padrão e o que ter em conta na alimentação para uma vida longa e com saúde – restrições sem fundamento não fazem parte do menu

Independentemente da idade, o que comemos tem um forte impacto na saúde. Mas nem sempre é fácil saber o que verdadeiramente escolher para garantir uma alimentação saudável, atendendo à facilidade com que surgem – e também mudam – ideias sobre as supostas vantagens ou desvantagens de determinados alimentos.

Selecionar os que não devem faltar no prato “não é fácil”, mas frutos oleaginosos, azeite virgem extra, iogurte, peixe, cereais integrais, frutos vermelhos, couves brássicas – como brócolos e couve flor –, leguminosas, cebola e alho fazem “sem dúvida” parte do grupo, diz ao Expresso a nutricionista Catarina Sousa Guerreiro, autora de “Alimentos de Hoje”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Mais importante ainda do que esta seleção, é o padrão alimentar adotado. E neste campo, em termos de “evidência científica”, a “mais robusta” é a dieta mediterrânica. “É a que está mais reconhecida como um padrão para a prevenção, mas também já no decurso da doença, para o controlo da doença quando já está instalada”, indica a também coordenadora da licenciatura em Ciências da Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).

Classificada como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2013, a alimentação mediterrânica caracteriza-se por ser maioritariamente de base vegetal. “Começando desde logo com os produtos frescos da época, que a colocam como um exemplo de alimentação sustentável, na medida em que utiliza os recursos da região e da época”, explica ao Expresso a coordenadora da licenciatura em Dietética e Nutrição da Universidade do Algarve, Maria Palma Mateus, que se tem dedicado ao estudo do tema.

Aos produtos frescos – a variedade de hortícolas e frutas – juntam-se os cereais, de preferência os “menos refinados”, assim como os produtos “preparados a partir das farinhas obtidas a partir desses cereais”, como o pão ou o arroz. As leguminosas, por vezes esquecidas, são outra “componente importante”, tal como os frutos secos e secados e os frutos oleaginosos. Inclui-se ainda o consumo frequente de pescado e menor de carnes vermelhas, sempre com o azeite como “principal fonte de gordura”.

Está em causa mais do que aquilo que se coloca no prato: trata-se de um “estilo de vida”, que preconiza que as pessoas devem ser “mais ativas”, nomeadamente fora de casa, procurando atividades de lazer ao ar livre, caminhadas, convívio e passeios em família. “É um estilo de vida mais próximo da natureza e mais ativo”, resume Maria Palma Mateus.

Voltando à mesa, em 2020 apenas 26% da população portuguesa apresentava elevada adesão à dieta mediterrânica, ou seja, “a maioria dos portugueses não segue este padrão alimentar protetor da saúde”, concluiu um estudo realizado pela Direção-Geral da Saúde. “Dada a nossa localização geográfica, era expectável que tivéssemos uma adesão à dieta mediterrânica mais elevada do que aquilo que temos”, afirma Catarina Sousa Guerreiro. Um maior consumo de carne e de gorduras saturadas, mais característico do “padrão ocidental”, tem vindo a ganhar espaço.

“Há um conjunto de fatores, que são sobretudo sociais, que nos vão afastando um bocadinho das nossas raízes mediterrânicas”, retrata Maria Palma Mateus. Entre eles está a “cada vez maior disponibilidade” de alimentos ultraprocessados, como refeições pré-preparadas. “As pessoas acabam por ir para aquilo que é mais simples, fácil e rápido e que se mantém acessível à sua carteira”, aponta a docente. No caso dos mais jovens, a “perda de competências culinárias” também pode representar um “obstáculo”.

Antioxidante e anti-inflamatório

Enquanto alimentação “rica em fibra, vitaminas, minerais, em substâncias com elevado potencial antioxidante e anti-inflamatório, que contribuem para o bom funcionamento do organismo”, os efeitos da dieta mediterrânica sentem-se ao longo de toda a vida, desde logo diminuindo o risco de aparecimento de doenças crónicas como obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares. O contributo passa também por “bons níveis de manutenção de saúde óssea e de saúde mental”, não só relativamente a ansiedade e depressão, mas também às doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

Maria Palma Mateus não tem “dúvida nenhuma” de que esta é a melhor opção para um envelhecimento saudável. “A população mais idosa que apresenta uma maior adesão à alimentação mediterrânica não só vive mais anos, como vive mais anos com qualidade”, realça. A dieta mediterrânica associa-se a maior longevidade e mais qualidade de vida, tanto pela menor prevalência das referidas doenças, como pela “gravidade menor quando surgem”.

Os “compostos anti-inflamatórios e antioxidantes” presentes neste padrão alimentar “previnem o dano oxidativo”, isto é, “levam a que exista um maior combate à oxidação das células, que acontece normalmente no envelhecimento”, indica Catarina Sousa Guerreiro. Os estudos têm demonstrado, refere Maria Palma Mateus, que as substâncias com efeito antioxidante e anti-inflamatório dos alimentos de origem vegetal “afetam muito os marcadores biológicos do envelhecimento”. “Quem tem uma maior adesão à dieta mediterrânica tem esses marcadores biológicos mais próximos daquilo que é um adulto saudável do que um idoso frágil.”

Sobre o tão badalado jejum intermitente e os supostos benefícios no envelhecimento, Catarina Sousa Guerreiro esclarece que alguns estudos em animais mostram que “jejuns prolongados parecem ter implicações no metabolismo celular, com benefício para a longevidade”, mas “ainda não há sustento científico” para transpor a ideia para os seres humanos.

Também a restrição de determinado alimento deve justificar-se com base numa intolerância ou alergia comprovada. “É um problema da sociedade atual a adesão repentina a tudo o que é diferente, tudo o que é para excluir, a modas alimentares. E é um problema que, na grande maioria das vezes, não tem um sustento científico para a sua realização”, considera a professora da FMUL.

“O que devemos é evitar os alimentos ultraprocessados, que sabemos hoje que estão associados a taxas de mortalidade muito mais elevadas, que bloqueiam a longevidade. Esses sim são para retirar da dieta, mas o que é atrativo é tirar o glúten ou a lactose, que na grande maioria das vezes não faz sentido”, declara a especialista. “É ter evidência científica para restringir aquilo que tem de ser restringido e aquilo que neste momento sabemos é que muito açúcar, muito sal e muitas gorduras saturadas alteram o risco de morrer por doenças cardiovasculares e por cancro”, sintetiza.

Lançado em 2022, Longevidade é um projeto do Expresso – com o apoio da Novartis – com a ambição de olhar para as políticas públicas na longevidade, discutindo os nossos comportamentos individuais e sociais com um objetivo: podermos todos viver melhor e por mais tempo.

Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.