Longevidade

Quem cuida também precisa de ser cuidado

Cuidadores. A faixa etária dos 50 aos 59 anos é a que conta com mais pessoas com estatuto do cuidador informal em Portugal, a maioria mulheres. Conciliar com a vida profissional é árduo, mas a sobrecarga é também física e psicológica

Teresa Ramos, 60 anos, é uma educadora de infância que é também cuidadora não principal da mãe e da madrinha

Um contraste marca o dia a dia de Teresa Ramos. Enquanto educadora de infância, estar na escola é uma “lufada de ar fresco”, transmitida pela alegria e carinho dos mais pequenos e através do testemunhar das aprendizagens. Já na casa onde nos encontramos, Teresa é a filha única com 60 anos que enfrenta um “luto em vida”, ao assistir à “decadência progressiva de perda de capacidades” da mãe, de 95, provocada pela doença de Alzheimer.

O caminho até aqui chegar foi longo. Há 18 anos, a morte do marido originou algum isolamento, possivelmente uma depressão. “Fomos acompanhando, até que comecei a ver que havia coisas que a minha mãe fazia que não eram muito próprias daquilo que era habitual nela”, conta. Os episódios foram-se sucedendo — como a dificuldade em assinar ou lembrar-se das palavras que queria dizer — e gerando maior preocupação, o que levou a uma série de exames que acabaram por revelar o diagnóstico.

Ao longo do tempo, aumentava a necessidade de supervisão. Depois da pandemia, já não era possível frequentar o centro de dia e Teresa teve de contratar uma cuidadora, para poder regressar à escola. Mas um “grande susto”, numa manhã em que a mãe saiu sem rumo, trouxe mais uma mudança. “Passei a dormir lá em casa, até que se tornou impossível, porque trabalhava e dormia mal”, recorda. Agora, as cuidadoras estão presentes 24 horas, sete dias por semana — e acompanham também a madrinha de Teresa.

Faltar ao trabalho para conseguir cuidar

Os mais recentes dados da Segurança Social contabilizam 15.874 pessoas com estatuto do cuidador informal em Portugal, das quais 9718 são principais e 6156 não principais — como é o caso de Teresa. A esmagadora maioria são mulheres (84%) e a idade média é de 58 anos. “Há muitas cuidadoras nesta fase de vida que vão começando a faltar ao trabalho para conseguirem cuidar e, a dada altura, não conseguem continuar, saem do mercado de trabalho”, alerta ao Expresso a presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, Liliana Gonçalves.

“As mulheres tentam corresponder à necessidade, que é cuidar naquele momento, mas imaginemos que a pessoa esteve cinco anos a cuidar, depois ainda não tem idade para a reforma e para regressar ao mercado de trabalho é dificílimo. A carreira contributiva fica interrompida e, se estivermos a falar por exemplo de dez anos, é muito significativo. A lei atual não dá resposta a nenhuma destas situações”, continua Liliana Gonçalves. A associação defende medidas como “licenças para cuidar, de curta e longa duração”, ou seja, pagas e sujeitas a reavaliação, além de uma “adequação a nível laboral”, para que quem passe a trabalhar a tempo parcial tenha direito a um “subsídio complementar ao salário”.

Teresa não pondera abandonar a profissão, até pela força que lhe dá, como pela necessidade de acautelar o presente e o futuro. “Financeiramente é uma sobrecarga muito grande. Não há ajudas do Estado. É sustentar uma outra casa, e o que se paga à empresa. Há também em causa o meu futuro: se deixar de trabalhar, deixo de fazer descontos. Neste momento, a minha mãe e a minha madrinha têm-me a mim. E eu? Tenho de pensar não só para hoje, mas também para amanhã.”

A Associação Nacional de Cuidadores Informais defende a atribuição de um valor “a todos os cuidadores informais, que não dependa da condição de recursos”, aponta a presidente. “A ideia de que há condições para se cuidar das pessoas idosas ou em situação de dependência em casa é errada. Não há. A sobrecarga financeira, o desgaste emocional e toda a falta de formação e preparação para os cuidadores permanece”, retrata Liliana Gonçalves.

Teresa sabe como esta realidade “desgasta não só fisicamente, como psicologicamente”. “É duro, custa muito”, confessa. Na escola, diz não ter “razões de queixa” em relação aos colegas, mas em termos de chefias sente “menos compreensão e entendimento do que é a sobrecarga de cuidador”. “Não faltava, a partir do momento em que fui cuidadora da minha mãe, comecei a faltar. Passou a haver muitas consultas. E desde que a mobilidade ficou reduzida, o tempo necessário é maior”, explica, exemplificando com o processo de manobrar a cadeira de rodas. Todas estas dinâmicas têm também impacto na vida pessoal e familiar: momentos como fins de semana fora com o marido deixaram de existir. “Ser cuidador arrasta todos os que estão à nossa volta.”

Mudanças no estatuto são insuficientes

O Presidente da República promulgou, em novembro, dois diplomas do Governo relativos ao estatuto do cuidador informal. Marcelo Rebelo de Sousa classificou as alterações como um “passo tímido” e avisou que é preciso “fazer muito mais”. Entre as mudanças estão o alargamento a não familiares e o aumento do valor de referência para atribuição do subsídio, de €509,26 para €560,19. “A pessoa cuidadora que não tem um laço familiar poder ser reconhecida é um ponto positivo”, mas a revisão “não vem introduzir grandes alterações”, uma vez que continua a não permitir que “o estatuto possa chegar a muito mais pessoas”, lamenta Liliana Gonçalves, presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais.

best of dos textos de longevidade no nosso site

Mudança Conselho Económico e Social prepara três estudos sobre as sociedades longevas, que representam “a maior e mais silenciosa revolução” da atualidade.



Reforma Quase 43% dos participantes num inquérito da Universidade Católica admite a possibilidade de trabalhar a tempo parcial após a idade da reforma.



Obesidade Nova investigação relaciona gordura visceral com a presença de proteínas no cérebro, características da doença de Alzheimer.