Longevidade

A manta dos idosos que aquece as contas

Balanço. O impacto na economia que traz a população com idade mais avançada está a pedir mais investimento na longevidade e levanta questões sobre consumo e políticas públicas futuras

O casal Cruz, Maria Luísa e Armindo, ambos octogenários, opta por fazer as compras na mercearia do bairro e dinamizar o comércio local

É na mercearia do Patel que o casal Cruz, Maria Luísa e Armindo, ambos octogenários, passam quase todas as manhãs a comprar bens alimentares. Uma forma de dinamizar o comércio local e que ajuda a explicar os números revelados pelo estudo “Saúde É Igual a Riqueza: Maximizar o Dividendo da Longevidade em Portugal”, que conclui que um em cada €3 é gasto por pessoas com 65 anos ou mais, dado que destaca, em parte, a relevância da população idosa na economia. Maria Luísa diz que os gastos semanais na mercearia rondam os €120: “Esticamo-nos de acordo com o tamanho da manta”, graceja.

O economista João Duque considera que “as pessoas com mais de 65 anos têm tempo disponível, o que é fundamental para gastar o rendimento”, acrescentando: “E com o prolongar da ‘juventude’, os próprios consumos serão diferentes, pois o padrão de consumo das pessoas varia com a idade.”

As políticas fiscais podem igualmente condicionar o comportamento “de muitas famílias, especialmente no que diz respeito à gestão do património imobiliário, à gestão da carteira de ativos e à transmissão de heranças”. Mas os mais velhos “também podem influenciar essas políticas, uma vez que a população idosa é cada vez mais numerosa, tem poder de voto e acaba por condicionar as decisões dos governos”.

João Duque refere que há “duas áreas” em que o investimento nos idosos — para aumentarem a longevidade em boas condições físicas e mentais — têm retornos muito elevados: “O desporto e a rede de afetos sociais.” Para o economista “são fundamentais as políticas e os investimentos” nestas áreas: “Têm o enorme benefício de aumentarem imenso a qualidade de vida e reduzirem despesas em cuidados de saú­de. Este reconhecimento pode ser feito ao nível individual, através de benefícios fiscais, ou por via da canalização de verbas para os clubes e associações com esse objeto social.”

Velhos, crimes e prisões

Ana Sepúlveda, da Age Friendly, lembra um aspeto importante, que curiosamente “sai da última reunião do conselho consultivo do projeto Longevidade”, na qual esteve presente o secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira: “Olhar para o tema longevidade numa vertente económica, que é o que continua a faltar.” A especialista em economia da longevidade defende que “há trabalho a fazer” nesta matéria e revela que em breve se reunirá com a sua equipa “para pensar os caminhos do futuro”.

Em três anos, o projeto Longevidade olhou para o tema em várias perspetivas

Ana Sepúlveda defende que “há necessidade de uma componente de debate económico e de estratégia” para a longevidade em Portugal. “Os relatórios de dependências de consumo, que saíram em finais de 2024, início de 2025, apontam, todos eles, a longevidade como grande dependente de consumo. Temos de olhar para isto como um sector da economia. A minha proposta passa claramente por falar nesta perspetiva.”

Nuno Marques, ex-coordenador do Plano Nacional de Envelhecimento Ativo e Saudável e que integrou também o Conselho Consultivo, lembra que o projeto Longevidade deu o seu contributo ao colocar “o foco no envelhecimento da população e nas ações que devem ser implementadas para preparar a sociedade portuguesa para a transformação que está a sofrer”. O médico defende que é importante “passar do centralismo nacional para os territórios”, descentralizar “para os municípios e as freguesias”, e colocar as “oportunidades existentes com as pessoas no centro”.

A propósito de colocar os idosos no centro, Ana Sepúlveda não quer que a realidade japonesa venha a acontecer em Portugal: “Isto não se transporta para a nossa sociedade, mas recentemente li um artigo a dizer que, no Japão, os mais velhos estão a tornar-se criminosos para ir para a prisão. Por mais surrealista que isto seja, buscam na prisão um conjunto de coisas que a sociedade não lhes dá.”

TRÊS PERGUNTAS A

Maria João Valente Rosa

Demógrafa, professora universitária e membro do conselho consultivo


Que balanço faz deste projeto Longevidade?

O balanço é positivo. Com o foco no envelhecimento e na longevidade, este projeto único, em permanente atualização, congrega ideias, estudos, decisões e experiências de vida, de efetivo interesse público.

Quais são os grandes desafios da longevidade em Portugal? Que soluções?

Vivemos, em média, mais tempo e são cada vez mais as pessoas que chegam às idades superiores. Boas notícias, pois ninguém gosta da alternativa a este panorama. Tempos de vidas mais longas significam também pessoas diferentes dos seus ascendentes quando tinham a mesma idade e uma sociedade muito sustentada no conhecimento, com novas exigências perante futuros cada vez mais incertos. Por isso, o aumento da longevidade, para ser devidamente potencializado, obriga mais a uma mudança profunda na perspetiva de sociedade do que a soluções pontuais. Para tal, muito se beneficiaria, por exemplo, se áreas de governação, tradicionalmente separadas — como a educação, o mercado de trabalho, a segurança social, a saúde, ou a economia — reunissem esforços na concretização de novos mapas de vida globais, flexíveis e adaptáveis às diferenças entre pessoas, que promovam, ao longo da vida adulta, a efetiva interligação de tempos para a formação, o trabalho e o lazer.

O que falta fazer para garantir demograficamente uma integração mais eficaz das pessoas mais velhas?

Muito pode ser feito para a maior integração social dos mais velhos de hoje e de amanhã. Do lado individual, é desejável evitar no presente riscos que acentuem problemas no futuro, como os de saúde, financeiros, de solidão social não desejada ou de exclusão social. Do ponto de vista público, falta fazer muito. Avanço duas propostas: combater qualquer discriminação em função da idade, o que implica, por exemplo, revisitar o que está escrito nos quadros legislativos, incluindo a Constituição; fomentar e distinguir experiências bem-sucedidas de organizações, traduzidas, por exemplo, na redução da intensidade do trabalho nas idades centrais, na existência de relações intergeracionais através de mentorias no local de trabalho, ou no apoio efetivo à formação para alargamento de saberes relativos à atividade profissional exercida e a outras áreas de interesse. Nunca é demais lembrar que as sociedades longevas precisam de todos.