“Será que estou a fazer as coisas bem?”. A dúvida passava muitas vezes pela cabeça de Edite. Aos 77 anos, cuida do marido, com mais seis e a quem foi diagnosticada demência. “Precisava de ter mais informações sobre a demência e, sobretudo, saber qual deveria ser o meu papel ou a forma certa de fazer em todo este processo de cuidar”, conta ao Expresso.
Tudo mudou quando um familiar lhe deu a conhecer o iSupport, um programa de apoio e formação para cuidadores informais de pessoas com demência. “Foi uma grande ajuda porque a informação que tinha era genérica, de ler nos livros, aqui é muito focada no papel do cuidador, que respostas é que deve dar perante o comportamento da pessoa de quem se cuida”, relata Edite.
Lançado no final de fevereiro, o programa foi adaptado para Portugal pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto, com a colaboração do CINTESIS e da Associação Alzheimer Portugal. “É um programa totalmente online, gratuito, de acesso aberto – implica apenas um registo simples da parte do cuidador informal”, explica Soraia Teles de Sousa, investigadora do ICBAS.
Inicialmente desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, no âmbito do Plano de Ação Global para as Demências – a implementar entre 2017 e 2025 –, é depois adaptado por cada país (são já 39 a nível global) ao respetivo contexto nacional. A meta da agência passa por 75% dos países disponibilizarem programas deste tipo, de forma acessível, até 2025.
Histórias e respostas
Foi assim que nasceu o iSupport-Portugal, composto por 23 sessões, distribuídas por cinco módulos, que cerca de 400 pessoas já utilizam. “A plataforma baseia-se em histórias do cuidar, ou cenários, que são acompanhadas por exercícios de treino de competências. Estimulam o cuidador a selecionar respostas possíveis e oferecer alternativas naquela situação”, ilustra Soraia Teles de Sousa, que integra o grupo de investigação AgeingC, do CINTESIS.
Entre os temas abordados estão, por exemplo, sintomas psicológicos e comportamentais da demência, aspetos práticos do ato de cuidar, como comunicar ou a importância do autocuidado. Uma das grandes vantagens é a “flexibilidade”, uma vez que é possível escolher as áreas que fazem “mais sentido” no momento. “O cuidador pode escolher que sessões se adaptam às suas necessidades, não tem de seguir um plano fixo, escolhe as sessões que quer fazer, ao ritmo que pretender”, explica a investigadora.
Ser um “instrumento de consulta” é precisamente algo que Edite destaca: o programa “está sempre ali à mão”. E o acesso a este tipo de informação é “muito importante”. “Apazigua muito, diminui o stress, dá tranquilidade”, resume. Perante as histórias apresentadas e as possibilidades de soluções, além de sentir “muito mais segurança” no desempenho da função, é também “uma chamada de atenção para estar mais atenta à evolução da própria doença”. “É uma grande ferramenta para fazer a gestão do processo.”
Dificuldades para os cuidadores
Ao longo da preparação do programa, a equipa concluiu que existem diversas barreiras para que os cuidadores usufruam de intervenções de apoio: muitas vezes não existem ou, quando disponíveis, as pessoas não as conhecem ou têm dificuldade em conciliar com a atividade profissional ou com a prestação dos cuidados. Estes projetos têm habitualmente “durações relativamente limitadas”, o que se traduz numa “falta de continuidade na oferta” de programas de apoio e formação, aponta Soraia Teles de Sousa.
Além de o iSupport responder a estes obstáculos, no estudo-piloto realizado, os resultados foram positivos: os cuidadores sentiram “diminuição da sintomatologia ansiosa e do sentimento de culpa, aumento do sentimento de utilidade e da vontade de cuidar de si mesmos”. Edite fala mesmo num processo de “descoberta pessoal”. Depois de lidar com uma “expetativa que causa medo e ansiedade” sobre as capacidades para cuidar, acabou por se surpreender a si própria: “Afinal és capaz, estás a fazer o melhor que sabes e a demonstrar competências.”
Os cuidadores de pessoas com demência apresentam “maior probabilidade de desenvolver depressão e ansiedade”, assim como hipertensão, problemas digestivos ou respiratórios, refere Soraia Teles de Sousa. Tal verifica-se “não só em comparação com a população em geral, como também quando comparado com cuidadores de pessoas com outras doenças crónicas”.
Isto porque os cuidados prestados, “normalmente muito intensos e muito diversos”, podem prolongar-se durante vários anos, além da preponderância do lado emocional, como por exemplo a pessoa deixar de reconhecer a outra ou tornar-se mais agressiva. Mas também pode haver fatores positivos: no caso de um filho que cuida do pai ou mãe, por vezes surge um “sentimento de estar a devolver os cuidados que lhe foram prestados em criança”. “Ou o facto de cuidar os tornar pessoas melhores, mais pacientes, com capacidades que não sabiam que tinham.”
Entretanto, um novo projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, o iSupport Footprint, irá utilizar o programa para descrever os perfis e as necessidades de cuidadores informais e de pessoas com demência. Dados da OCDE de 2019 mostram que Portugal é o quarto país na prevalência da demência, com 21 casos por cada mil habitantes. No nosso país, são mais de 800 mil os cuidadores informais. A OMS estima que, em todo o mundo, o número de pessoas com demência ultrapasse os 55 milhões.