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Projeto Bruno e Dom

Como a indústria continua a exportar para a Europa carne ligada à desflorestação da Amazónia

A procura mundial de carne tem contribuído para a destruição da Amazónia. Nos últimos seis anos, o equivalente a 800 milhões de árvores foram cortadas perto de matadouros daquela região, de acordo com novos números revelados pelo consórcio de jornalismo de investigação liderado pelo Forbidden Stories. Um ano após a morte do jornalista Dom Phillips, as multinacionais brasileiras investigadas por ele continuam a vender para a Europa carne de vaca produzida em áreas ameaçadas da floresta

Anaïs Caura / Forbidden Stories

Por Youssr Youssef (Forbidden Stories). Com André Campos (Repórter Brasil), Andrew Wasley, Elisângela Mendonça, Robert Soutar (TBIJ), Jeroen Wester , Karlijn Kuijpers (NRC), Carina Huppertz, Dajana Kollig, Julius Bretzel (Paper Trail Media), Eduardo Goulart (OCCRP)

“É a última gota”, escreveu o jornalista Dom Phillips no Twitter, no final de 2021, quando foi publicada uma nova investigação sobre as três maiores multinacionais da pecuária brasileira, JBS, Marfrig e Menerva, e as suas ligações com o desmatamento. Nomes desconhecidos pela grande parte dos consumidores europeus, mas cuja importância é comprovada pelo alcance dos seus produtos no mercado da alimentação. As três empresas são responsáveis por cerca de 70% das exportações de carne de vaca brasileira.

Juntamente com empresas como Danone e Heineken, a JBS é um dos 15 gigantes mundiais da indústria alimentar, segundo o ranking anual da Forbes. Em 2022, a empresa afirmou ter abatido aproximadamente 75 mil bovinos por dia, destinados a clientes espalhados por mais de 190 países. Apesar de só possuírem metade da capacidade da JBS, a Marfrig e a Minerva têm também um grande peso no setor. Ambas produzem essencialmente carne de vaca.

A criação de carne de vaca é, de longe, a principal responsável pelo desmatamento da Amazónia.

A floresta tropical, de dimensões tão extensas quanto as da Europa, abriga mais de um décimo da biodiversidade mundial, e atua como um “sequestro de carbono”. Por outras palavras, absorve mais CO2 do que emite, o que lhe confere um papel crucial na limitação dos gases com efeito estufa e no combate às alterações climáticas, que assombram o futuro do planeta.

O assunto tornou-se recorrente nos artigos de Dom Phillips. O correspondente do jornal The Guardian, que fez do Brasil a sua casa em 2007, dedicou os seus últimos trabalhos à indústria da carne no Brasil, antes de ser brutalmente assassinado em junho de 2022 junto com o indigenista Bruno Pereira, enquanto trabalhava num livro sobre como salvar a Amazónia.

Embora a multinacional JBS se tenha comprometido a reduzir a zero as suas emissões de gases com efeito de estufa até 2040, Dom realçou, na sua última colaboração com o The Guardian, que a meta poderia ser alcançada se “a JBS parasse as suas parcerias com fornecedores que contribuem para o desmatamento na Amazónia". Numa reportagem anterior, o jornalista também exprimiu a sua preocupação face ao aumento da procura de carne de vaca por parte da China “às custas da floresta amazónica”.

Para esta parte do Projeto Bruno e Dom, que dá continuidade ao trabalho do jornalista, revelamos como, para satisfazer a procura internacional, proveniente principalmente da China, mas também da Europa, as três multinacionais brasileiras da carne investigadas por Dom Phillips continuam a comercializar com fazendas responsáveis pelo desmatamento da Amazónia.