As eleições legislativas de domingo na Áustria representaram “o triunfo da política de extrema-direita com uma fachada humana”, comenta Philipp Stelzel, que leciona História Europeia do século XX na Universidade Duquesne de Pittsburgh, nos EUA. O Partido Popular Austríaco (ÖVP), de Sebastian Kurz, teve uma vitória clara, com 37,5% dos votos, uma subida de seis pontos face às últimas eleições legislativas. O antigo parceiro de coligação, o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ, de extrema-direita), caiu para os 16,2%, na sequência do escândalo Ibiza-gate, que motivou uma moção de censura que, no final de maio, precipitou eleições antecipadas.
“Enquanto chanceler, Kurz puxou o ÖVP ainda mais para a direita, aproximando-o das posições do FPÖ sobre imigração, mas adotou um estilo político mais respeitável. No entanto, o verdadeiro teste para Kurz ainda está para vir: será ele capaz de formar uma coligação estável?”, interroga-se Stelzel ao Expresso. Isto porque apesar de os conservadores terem vencido em oito dos nove distritos federais do país – a exceção foi Viena, onde triunfou o Partido Social-Democrata da Áustria (SPÖ), o ÖVP não dispõe de maioria no Parlamento.
Em teoria, Kurz, de 33 anos, poderá reeditar a sua aliança com o FPÖ mas, após o escândalo que desfez o anterior Executivo, é expectável que explore outras opções. O Ibiza-gate rebentou em maio com a divulgação de um vídeo, gravado três meses antes das legislativas de 2017, em que o então líder do FPÖ, Heinz-Christian Strache, prometia contratos governamentais a uma mulher, que se apresentava como sobrinha de um oligarca russo.
As negociações para a formação de um novo Governo adivinham-se difíceis e podem durar semanas, sendo possível traçar quatro cenários.
Cenário 1: Coligação com os sociais-democratas
Uma das hipóteses em cima da mesa é uma aliança com os sociais-democratas, a segunda força mais votada, com 21,2%. “Se as coisas voltarem à velha norma da grande coligação entre o ÖVP, conservador e cristão, e os sociais-democratas do SPÖ, a Áustria ficará muito parecida com a Alemanha: políticas estáveis e previsíveis mas sem grandes reformas económicas em perspetiva”, equaciona Adam Bartha, diretor do EPICENTER – Centro de Informações de Política Europeia. “Num tempo de guerras comerciais, de incerteza com o Brexit e de lento crescimento na Zona Euro, a liberalização das reformas domésticas e uma voz pró-mercado ao nível da União Europeia (UE) seriam cruciais, mas isso pode ser mais difícil com os sociais-democratas a bordo”, acrescenta ao Expresso. “Uma coligação com o SPÖ seria contrária à retórica de Kurz de que ultrapassara anos de governação entre os sociais-democratas e os conservadores”, sublinha, por sua vez, Philipp Stelzel.
Cenário 2: Reedição da coligação com a extrema-direita
Apesar do abalo sofrido nas urnas, o FPÖ não é um parceiro de coligação descartável e continua a ser a terceira força mais votada. Neste cenário, “Kurz poderia manter o seu parceiro mais debaixo de olho, uma vez que o partido de extrema-direita perdeu 10% na sequência do escândalo de corrupção”, adianta Bartha. “Isto permitiria a Kurz desempenhar um papel mais importante na definição da agenda doméstica, mas é certamente um risco continuar a permitir que um partido autoritário de extrema-direita esteja numa posição de poder”, adverte.
Cenário 3: Coligação com os Verdes
“O terceiro e mais improvável cenário seria uma coligação com os Verdes, que regressaram massivamente depois de terem sido afastados do Parlamento em 2017”, refere ainda o diretor do EPICENTER. Com 13,8% dos votos, o partido ecologista é a quarta força mais votada, tendo ficado à frente dos liberais do NEOS, que conseguiram 8,1%. Mas “os Verdes estão altamente céticos quanto a uma coligação e um dos seus principais dirigentes, Michel Reimon, afirmou que os dois partidos representam ideias muito diferentes, especialmente nas áreas da proteção ambiental, direitos humanos e políticas de bem-estar”, lembra Bartha. O professor Philipp Stelzel sublinha que, apesar de a coligação ser “matematicamente possível”, “a distância programática é muito maior do que entre os democratas-cristãos e os Verdes na Alemanha”.
Cenário 4: Coligação tripartida com ecologistas e liberais
Outra das hipóteses seria o ÖVP aliar-se aos Verdes e ao NEOS. Para muitos analistas, este cenário é bastante mais provável do que uma grande coligação com os sociais-democratas. Contudo, Stelzel recorda que “o partido neoliberal é muito pequeno e que os obstáculos programáticos para uma coligação com os Verdes são enormes”.
“Tirando um breve período na década de 1970, a Áustria não tem experiência com Governos minoritários mas, desta vez, poderá ser a única opção viável”, sintetiza o professor de Pittsburgh.
Áustria “na vanguarda da integração da extrema-direita”
Roger Daniel Kelemen, professor de Ciência Política e Direito na Universidade Rutgers, no estado norte-americano de New Jersey, lembra que “a Áustria tem estado na vanguarda da integração de partidos de extrema-direita na política europeia”. “O ÖVP começou por integrar o FPÖ numa coligação governativa em 2000, a primeira vez que um partido de origem nazi esteve num Governo desde a II Guerra Mundial. Kurz seguiu a mesma estratégia em 2017”, recorda. “Podemos esperar que o facto de a coligação ter acabado em desgraça, com um escândalo que expôs a criminalidade do FPÖ e as ligações à Rússia, desencoraje os líderes de centro-direita a entrarem em coligações com partidos de extrema-direita”, desabafa.
Para a académica búlgara Radosveta Vassileva, “o que é realmente importante é o que Kurz pretende fazer com uma situação que lhe é favorável”. “Acabará por adotar hábitos que lhe causaram danos políticos no passado ou procurará uma aliança mais flexível?”, questiona-se, em declarações ao Expresso. E abre a questão para o âmbito europeu: “A Áustria sempre foi um ator importante no palco político da UE. No início do ano, especulava-se nos círculos diplomáticos que Kurz planeava apresentar algumas mudanças na legislação comunitária. Portanto, à luz da nova situação política na Áustria, será interessante saber se as propostas, além de viáveis, ainda poderão continuar na agenda.”