Bairro Feliz

Aqui não existem inevitáveis quando a palavra é ajudar

Reportagem: nas comunidades que dão vida à Covilhã, à Guarda e a Viseu, encontramos pessoas que não pensaram duas vezes antes de se atirarem a ideias e projetos que, por exemplo, providenciam nova luz sobre produtos que estavam longe da vista, que fazem valer a força da solidariedade e da ação coletiva para valorizar os direitos dos mais desfavorecidos, ou que ‘simplesmente’ dão uma refeição e uma “palavra amiga” a quem mais precisa. Entre sacrifícios e um sentimento de missão que tem dificuldade em coabitar com tempo perdido “não há uma inevitabilidade. Todos podemos fazer algo”, como se vê nas ideias partilhadas no projeto Bairro Feliz, do Pingo Doce, do qual o Expresso é media partner

Cherovia ou música? Falem com ele

Eduardo Cavaco (Covilhã, distrito de Castelo Branco)

“Sou um criativo, estou sempre a ter novas ideias!” É assim que Eduardo Cavaco se define numa conversa em plena sede da Banda da Covilhã, instituição com mais de 150 anos da qual é presidente e diretor artístico, um dos muitos cargos e posições que o “alentejano de Moura”, com 54 anos, já assumiu desde que se mudou para a cidade beirã. A investigação académica foi o que o trouxe e o que o fez ficar como professor na Universidade da Beira Interior. Num local onde o “associativismo era muito forte” em virtude da “história recente e operária da cidade”, o “professor Cavaco” sentiu que era possível ainda mais e bateu à porta da então moribunda associação musical (“quando entrei como maestro, em 2005, havia zero alunos e sete músicos, tive que arregaçar as mangas”), que hoje dá concertos regulares e alberga uma academia que conta com 130 alunos. A todos trata pelo nome enquanto avança de sala em sala, sempre com uma energia contagiante e um lema: “Sonhar, acreditar e nunca desistir.”

Espírito que o levou à cherovia, produto gastronómico típico da zona que experimentou pela primeira vez “no bar da banda” e que tem a forma da “cenoura, a cor do nabo e sabe a anis”. “Toda a gente achou que eu era maluco por criar um festival de raízes”, conta. Mas onde outros viam um produto pouco relevante Eduardo viu uma oportunidade de valorizar e dar a conhecer uma tradição gastronómica local. Desde então já ocorreram 16 edições do Festival da Cherovia, com a mais recente a receber acima de 30 mil visitantes e a apresentar mais de 200 receitas. “Já experimentei mais de mil”, atira o também fundador e presidente da Confraria Gastronómica da Cherovia e da Panela no Forno da Covilhã, entre as quais uma receita que inventou: um bolo que dá pelo nome de “covilhoco”. Não admira por isso que em 2011 tenha sido considerado “cidadão honorário” da cidade, para alegria não escondida do “professor Cavaco”: “Tão pouco tempo depois de ter chegado, veja lá”, congratula-se.

Já mais afastado do centro encontramos a Beira Serra — Associação de Desenvolvimento, com sede no Bairro da Alampada, onde o coordenador-geral, Marco Gabriel, explica que a construção deu origem “a uma nova comunidade” desenraizada, o que “trouxe problemas sociais” que obrigaram “a dar respostas”. Uma delas é “o centro comunitário”, com destaque, entre vários projetos de intervenção social noutras localizações, para a horta comunitária que recentemente abriu no bairro, em que se procedeu ao aproveitamento de um “terreno abandonado” numa lógica de “transformação do território” para “formar uma comunidade”. Os habitantes “agora relacio­nam-se”, resume.

Quebrar as correntes para dar uma nova vida

Solange Silva e Marisa Paulo (Distrito da Guarda)

Duas enfermeiras, uma da Guarda e a outra de Setúbal, e um objetivo inquebrável: salvar animais. Era o que Marisa Paulo e Solange Silva se estavam a preparar para fazer (de novo) após o nosso encontro, quando iriam entregar “Snoopy”, um “cão de 54 kg”. “Passou de uma corrente para um apartamento”, garantem, numa frase que sintetiza o trabalho da Qoasmi (Quando os Animais São Mais Importantes) — Associação Protetora dos Animais da Guarda, que Marisa fundou e onde tem a ajuda fundamental do seu “braço-direito, Solange”. Tudo começou quando entrou “pela primeira vez num canil municipal” e ficou “transtornada”. A situação “não é uma inevitabilidade, todos podemos fazer algo” e por isso montou uma estrutura que “resgata animais que não têm solução à vista” para entregá-los a “famílias de acolhimento”. Os casos chegam através de “denúncias ou pedidos de ajuda” e têm custos financeiros como os €26 mil que gastaram o ano passado em tratamentos clínicos. Apesar do “sacrifício constante”, não querem parar, até porque “cada animal adotado de forma responsável é heroico”.

Criar um espaço para “dialogar e trocar impressões” foi uma das motivações para a advogada Maria Luísa Romana — especializada em “direitos das mulheres e questões de género” — dar início ao Ciclo de Leituras Feministas do clube de leitura da cooperativa Aquilo Teatro numa zona onde “há um espírito muito conservador ligado à mulher” e, como já pôde ver no seu trabalho, uma “normalização da violência”. Descriminação que também experimentou como vice-presidente para o futsal e futebol feminino da Associação de Futebol da Guarda (após carreira como guarda-redes e “chamada à seleção sub-19 em 2006”), onde sentiu que estava apenas “para preencher uma quota”: “Não sabia se não era levada a sério por ser uma mulher ou por ser nova.” A mudança passa por aqui.

O “ponto de encontro” para quem mais precisa

Mariana Almeida (distrito de Viseu)

Aos 76 anos, Mariana Almeida continua a dar conta sozinha do recado na cozinha da Parreira do Minho, restaurante que é “ponto de encontro” e porta de abrigo no 174 da Rua Direita de Viseu. É aqui que Mariana conta como tomou conta do negócio “há 46 anos”, que se tornou rapidamente um local onde os mais necessitados sabiam que podiam encontrar ajuda e uma refeição qualquer que fosse a circunstância. “Não gosto de deitar comida fora sabendo que há tanta gente que tem fome.” Por isso há sempre qualquer coisa para quem for pedir até porque gosta “muito de cozinhar e ajudar”, que também passa muitas vezes por estar sempre disponível “para uma palavra amiga”. O trabalho junto da comunidade já a tornou uma referência e valeu-lhe recentemente uma distinção da Junta de Freguesia de Viseu (“chegar lá e ver tanta gente à minha espera...”) e uma certeza: “Não é por €100 ou €200 a mais em batatas que fico pobre.”

Foi para “colmatar algumas falhas na assistência social a crianças com necessidades educativas especiais”, que surgiu a Associação O Refúgio do Né, revela o responsável, Bruno Proença, com a certeza que “a ideia não é ganhar dinheiro, é tentar fazer alguma coisa melhor”. Por isso recebem também crianças sem problemas físicos ou mentais, o que “tem resultado de uma forma espetacular. Todos ganham outra sensibilidade”.

O que é o Bairro Feliz

O projeto

O Bairro Feliz tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais públicas ou privadas (associações, IPSS, fundações, cooperativas) ou grupos de vizinhos até cinco pessoas inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros.

As ideias

Enquadram-se em seis áreas: ambiente, apoio animal, apoio social e cidadania, cultura, património, turismo e lazer, educação, e saúde, bem-estar e desporto, que são analisadas por um júri que faz uma seleção. Depois são levadas a votação popular nas lojas.

O prémio

Cada vencedor ganha até €1000 para o seu projeto.

Os prazos

As candidaturas, que terminaram a 4 de julho, foram avaliadas pelo júri. As votações nas lojas arrancaram esta segunda-feira e decorrem até 25 de novembro, dia em que serão anunciados os vencedores.

Saiba mais

AQUI. E acompanhe no Expresso e na SIC.

Pessoas mais felizes

No primeiro ano procurámos ideias para tornar os bairros mais felizes. No segundo, os bairros mais felizes. Agora procuramos as pessoas mais felizes com os seus bairros. Pelo terceiro ano consecutivo, o Expresso é media partner do projeto Bairro Feliz — um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias.

Textos originalmente publicados no Expresso de 13 de outubro de 2023